Roberto de Góes Ellery Junior*
George Henrique de Moura Cunha**
Pofessor da Universidade Católica de Brasília
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RESUMO
Objetivo deste artigo é investigar os principais fatores econômicos que influenciaram os resultados da economia brasileira no começo do século XXI, questionando os resultados a Nova Matriz Econômica executada pelo Governo de Dilma Roussef, em contraponto as reformas estruturais ocorridas a partir da década de 1990. Este trabalho está organizado em cinco partes: introdução; a era das reformas; inclusão social; considerações finais; e, bibliografia consultada.
Palavras-chave: Crescimento Econômico, Produtividade dos Fatores, Renda e Produtividade.
This article aims to investigate the main economic factors that affected the results of the Brazilian economy at the beginning of the century, questioning the results of the New Economic Matrix performed by Dilma Roussef government as opposed structural reforms that took place from the 1990s This work is organized into five parts: introduction; the era of reforms; social inclusion; final considerations; and bibliography.
Key words: Economic Growth, Factor Productivity, Factor Proportions, Income, Productivity.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Roberto de Góes Ellery Junior y George Henrique de Moura Cunha (2017): “Uma análise da nova matriz econômica brasileira”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (enero 2017). En línea:
http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/17/matriz.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/br17matriz
1. Introdução
Ao término da II Guerra Mundial o Brasil iniciou um período de crescimento acelerado que levou a renda per capita brasileira de 13,58% da americana em 1950 para 28,65% em 19801 . Ocorre que tal crescimento não conseguiu se sustentar de forma que na década de 1980 a economia brasileira entrou em um longo processo de estagnação e descontrole macroeconômico. Ao final do século XX a renda per capita brasileira era de 17,18% da americana, nível semelhante ao do início da década de 1960, e o IGP 2 chegou a 2.851,34% ao ano em 1993, antes de 1980 o maior valor observado foi de 86,47% ao ano e ocorreu em 1964. A esperança de crescimento do pós-guerra terminou em um desastre econômico.
O desastre econômico foi acompanhado de um desastre político. Em 1964 um Golpe Militar levou o Congresso a cassar o mandato do presidente João Goulart em uma série de eventos que levou a uma ditadura militar que durou mais de vinte anos. O colapso da economia na década de 1980 veio acompanhado do colapso do regime militar. A transição para democracia seria feita por um presidente indicado pelo Congresso Nacional, o indicado foi Tancredo Neves, um político experiente e associado à oposição à ditadura militar, ocorre que Tancredo Neves faleceu antes de tomar posse e a missão de presidir a transição para democracia ficou a cargo de José Sarney, um político também experiente, porém ligado ao apoio civil à ditadura militar. Como todas as dificuldades inerentes à transição José Sarney conseguiu reestabelecer a tranquilidade política do país e viabilizou a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988 onde estão delineadas as bases institucionais da democracia brasileira.
O governo de José Sarney foi um sucesso do ponto de vista política, mas não foi capaz de superar a crise econômica. Na realidade a crise foi aprofundada por uma sequência de choques heterodoxos que tentavam acabar com a inflação via congelamento de preços, o primeiro e mais famoso de tais choques ocorreu em 1986 e foi chamado de Plano Cruzado. O fracasso econômico do governo José Sarney ajudou a espalhar a desconfiança nos partidos políticos estabelecidos, de forma que nas primeiras eleições presidenciais em mais de duas décadas o vencedor foi um candidato que não representava nenhum dos principais partidos políticos. Fernando Collor de Mello foi eleito após disputar o segundo turno com Luís Inácio Lula da Silva, esse último do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido então jovem e com fama de radical de esquerda. A vitória de um político “sem partido” em um segundo turno disputado com um político jovem e líder de um partido não tradicional ilustra o clima de desconfiança política da época.
Apesar de simbolismo de ser o primeiro presidente eleito em mais de duas décadas Fernando Collor não conseguiu terminar o mandato que recebeu das urnas. Escândalos de corrupção e a falta de uma base sólida de apoio no parlamentar levaram ao fim precoce do governo Collor. Itamar Franco assumiu a presidência e formou uma ampla coalisão capaz de espantar qualquer ameaça à democracia e ao mesmo tempo buscar a saída para a crise que destruía a economia. Apesar da desconfiança com que foi recebido o governo Itamar Franco cumpriu os dois objetivos a que se propunha. A democracia não apenas não foi ameaçada como saiu fortalecida do episódio e foi lançado o Plano Real, um plano de estabilização sem choques e sem congelamento de preços. No lugar da heterodoxia até então dominante o Plano Real apostou na receita delineada por Sargent (1982).
O sucesso do Plano Real permitiu que Fernando Henrique Cardoso, Ministro da Fazenda de Itamar Franco, fosse eleito em 1994 sem a necessidade de um segundo turno. O primeiro governo de Fernando Henrique tinha como principal desafio garantir a continuidade da estabilidade macroeconômica, a redução temporária da inflação ocorrida nos anos anteriores ainda assombrava a memória da população. Não existe caminho fácil para eliminar uma inflação, o caso brasileiro não foi exceção, a combinação de uma política monetária contracionista com tentativas frustradas de ajustes fiscais levou a um crescimento significativo da dívida pública em relação ao PIB, mais grave, a crença que o câmbio devia ficar dentro dos limites das bandas estabelecidas pelo Banco Central como condição necessária para impedir a volta da inflação forçou a taxa de juros ainda mais para cima e, no limite, tornou inviável a versão original do Plano Real.
Em 1998 já estava claro que o controle do câmbio estava com os dias contados, uma série de crises e ataques especulativos em vários países em desenvolvimento deixou claro que o mercado internacional não estava mais disposto a financiar o crescimento de países sem sólidos fundamentos macroeconômicos. O debate deixou de ser a respeito de se o Brasil ia mudar a política cambial e passou a ser quando o Brasil mudaria a política cambial. A mudança aconteceu em 1999 3, após um período de incertezas quanto aos rumos da política econômica Armínio Fraga assumiu a presidência do Banco Central e juntamente com Pedro Malan, Ministro da Fazenda desde o primeiro mandato de Fernando Henrique, iniciou uma política de estabilização que ficou conhecida como Tripé Macroeconômico e consistia na combinação de câmbio flutuante, busca por equilíbrio fiscal por meio de superávits primários e um regime de metas de inflação.
Foi com o Tripé Macroeconômico que o a economia brasileira entrou no século XXI. O final do século XX testemunhou a reconstrução da democracia e a estabilização da economia, não foi pouca coisa, a retomada do crescimento de longo prazo e o desafio da inclusão social ficaram para o século XXI. Nas próximas páginas será analisado como tais objetivos foram perseguidos e em que medida foram alcançados nos primeiros quinze anos de novo século. A próxima seção tratará das reformas e do final da década de 1990 e começo da primeira década do século XXI e das contrarreformas que começaram por volta de 2006 e ganharam força a partir de 2011. A terceira seção será dedicada aos avanços na área social. A quarta seção trará as considerações finais do capítulo.
2. A Era das Reformas
Como foi dito na introdução a economia brasileira na segunda metade do século XX foi marcada por dois períodos distintos. O primeiro foi caracterizado por alto crescimento acompanhado por um processo de aumento da participação da indústria no PIB, taxas de inflação altas, porém sem caracterizar um processo de hiperinflação e aumento da concentração de renda. O segundo período é caracterizado por estagnação, redução da participação da indústria no PIB, inflação fora de controle e tendendo à hiperinflação e aumento acentuado da concentração de renda. É difícil não concluir que o segundo período não foi piro que o primeiro, porém a questão relevante não é qual período foi melhor, a questão é relevante é saber se o segundo período foi devido a algum desvio inesperado na trajetória da economia ou se foi uma consequência do primeiro.
A Figura 1 mostra a evolução do PIB per capita do Brasil como proporção do PIB per capita dos Estados Unidos. Quando a série está subindo significa que o Brasil está crescendo mais do que os EUA, repare que até 1980 o Brasil mostrou um processo de crescimento caracterizado por uma aproximação com os EUA, ou seja, até 1980 o Brasil crescia mais do que os EUA. A partir de 1980 o processo foi revertido e o Brasil passou a crescer menos que os Estados Unidos, uma nova reversão ocorre a partir de 2005, porém ainda não foi suficiente para reestabelecer a proporção observada em meados da década de 1970.
Dois pontos a respeito do processo de crescimento do Brasil na segunda metade do século XX devem ser registrados. O primeiro é que o padrão de crescimento e queda, principalmente de queda, não é exclusividade do Brasil. Praticamente todos os países da América do Sul tiveram o processo de crescimento interrompido na década de 1980 e, com exceção de Brasil e Chile, todos os principais países da América Latina terminaram o século XX com uma renda per capita proporcional a dos EUA menor do que a que tinham em 1950. O desastre brasileiro é parte do desastre latino americano. Se é verdade que o fenômeno não está restrito ao Brasil também é verdade que não se trata de um fenômeno mundial, vários países do leste da Ásia conseguiram sustentar o processo de crescimento até os dias de hoje. A Coréia do Sul é um caso emblemático, após a II Guerra Mundial e a Guerra da Coréia o país tinha um PIB per capita menor que o do Brasil. Esta situação durou até o início da década de 1980, o que sugere que o baixo PIB per capita da Coreia do Sul não era consequência apenas dos estragos das guerras, em 1983 a o PIB per capita da Coreia do Sul ultrapassou o do Brasil e seguiu a trajetória de crescimento enquanto a economia do Brasil ficou estagnada. A Figura 2 ilustra os PIB per capita do Brasil e da Coreia do Sul como proporção do americano, observando a figura fica calara a diferença entre um processo de crescimento sustentado de longo prazo e um surto de crescimento.
Em comum Brasil e Coreia do Sul apostaram na indústria, como motor do crescimento de suas economias. A estratégia brasileira encontrava sua justificativa teórica no trabalho de Raul Pebrish e outros economistas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) que propunham que o caminho para o desenvolvimento econômico passava por um processo de industrialização que tal processo só correria na América Latina se fosse liderado pelo Estado. As teses da CEPAL tomaram forma no que ficou conhecido como modelo de substituição de importações, tal modelo consistia em combinar políticas de crédito e outros tipos de subsídios com restrições às importações de forma a estimular a produção local de produtos que eram importados. A Coreia do Sul também apostou em incentivo à indústria e no uso de política industrial, porém não se isolou do comércio internacional e investiu em outras políticas que podem ter sido a chave para evitar o destino da América Latina.
Dois pontos merecem destaque para justificar a opção pela indústria. O primeiro é uma tese que no longo prazo o preço das commodities (basicamente agropecuária e indústria extrativa) tenderia a cair em relação aos bens produzidos pela indústria de transformação. Se em um determinado ano era possível trocar um trator por dez sacas de feijão a teoria de CEPAL dizia que em alguns anos o mesmo trator valeria mais de dez sacas de feijão. Desta forma, apostar na agropecuária ou na indústria extrativa seria um caminho para o empobrecimento no longo prazo. O outro ponto importante é a ideia que a indústria é o setor dinâmico da economia e apenas a indústria é capaz de criar progresso tecnológico. Setores da esquerda radical também aporiam a industrialização, porém por motivos diferentes, tais setores acreditavam que apenas o operariado poderia protagonizar a revolução que levaria ao socialismo e tal proletariado consistia nos trabalhadores industriais. De fato, é na indústria que se encontram as categorias mais organizadas e os sindicatos mais fortes.
Economistas desenvolvimentistas sob a influência da CEPAL, pensadores de esquerda em busca de uma classe operária para fazer a revolução, industriais em busca de benefícios com dinheiro público e proteção da competição e políticos ansiosos para ver empregos melhores aparecendo em seus mandatos formaram a aliança política e econômica que deu suporte às políticas que levaram a industrialização. O esforço de industrialização deu certo no sentido que aumentou a participação da indústria no PIB. Em 1947 a indústria correspondia a 25,97% do PIB e a indústria de transformação correspondia a 19,89% do PIB. Ambas as participações crescem até que em 1985 a indústria chegou a 47,97% do PIB e a indústria de transformação chegou a 35,88%. Porém, no lugar do crescimento sustentado de longo prazo prometido pelos defensores da industrialização, a ascensão da indústria veio acompanhada de uma crise caracterizada, entre outras coisas, pela estagnação da economia. Nem mesmo a indústria escapou da crise, em 2013 a indústria correspondia a 24,98% do PIB e a indústria de transformação era 13,13% do PIB, ambas as participações menores que as observadas em 1947. A Figura 3 ilustra a ascensão e a queda da indústria e da indústria de transformação como proporção do PIB.
Explicar a razão da indústria não ter entregue o que seus defensores prometeram, bem como explicar que o crescimento brasileiro não tenha se sustentado era o grande desafio do final do século XX e continua sendo uma questão não resolvida até os dias de hoje. Uma pista pode ser encontrada nos trabalhos de Robert Solow, economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1987 pelas contribuições que fez à teoria do crescimento econômico. Solow (1956 e 1957) mostrou que no longo prazo o crescimento de uma economia é dado pelo crescimento da produtividade total dos fatores 4 (PTF). Enquanto a PTF na Coréia do Sul mostrou um crescimento sustentado inclusive crescendo mais do a dos EUA entre 1960 e 20115 a PTF no Brasil parou de crescer em 1980. A Figura 4 ilustra o crescimento da PTF no Brasil, na Coreia do Sul e nos Estados Unidos.
Tanto o Brasil quanto a Coreia do Sul apostaram na indústria como o elemento capaz de levar ao crescimento da economia e da produtividade no longo prazo, porém apenas a Coreia do Sul alcançou o objetivo. A explicação para tal fenômeno não deve estar na indústria em si, como vimos a política desenvolvimentista brasileira teve sucesso em criar uma indústria no Brasil, o que aconteceu foi que a indústria criada não foi capaz de levar ao crescimento da economia e nem mesmo de se sustentar. Também não aprece razoável debitar o fim do crescimento à decadência da indústria, o crescimento perdeu folego ainda na década de 1970 deu um pico em 1980 e depois saiu de cena, a queda da indústria começou em 1985. Se a resposta não está na indústria então deve ser procurada fora da indústria.
Um primeiro fato a ser notado diz respeito ao capital humano. Em 1953, de acordo com os dados da Penn Wolrd Table 8.0, o índice de capital humano6 da Coreia do Sul era de 1,86, o do Brasil era de 1,25 e o dos EUA era de 2,67. Em 1980 o da Coreia do Sul era de 2,62, o do Brasil era de 1,45 e o dos EUA era de 3.37. Repare que o índice da Coreia do Sul cresceu 39,8% no período, um número maior que o do Brasil, que cresceu 16,1%, e o dos EUA, que cresceu 26%. Um outro indicador da diferença na educação entre o Brasil e a Coreia do Sul pode ser observado nos rankings internacionais de desempenho de estudantes. Um dos rankings mais conhecidos é o do PISA (Program for International Students Assessment), em 2012 a educação da Coreia do Sul obteve média de 536 em leitura (5º lugar no ranking de 65 países), a média dos países da OCDE foi de 496 e a do Brasil foi de 410 (55º lugar no ranking); no quesito matemática as médias foram 554 para Coreia do Sul (5º lugar no ranking), 494 para os países da OCDE e 391 para o Brasil (58º lugar no ranking); em ciências o padrão foi o mesmo: a Coreia do Sul teve média 538 (7º lugar no ranking), a OCDE teve média 501 e o Brasil teve média 405 (59º no ranking). A diferença entre o desempenho da educação do Coreia do Sul e do Brasil é clara e muito provavelmente explica boa parte da trajetória diferente que marcou as economias dos dois países.
Outro aspecto relevante é o ambiente institucional e a facilidade de fazer negócios. Rankings internacionais frequentemente classificam o Brasil mal nesses quesitos enquanto a Coreia do Sul é bem avaliada. O Doing Business, elaborado pelo Banco Mundial, é um dos mais conhecidos rankings do tipo, em 2014 o Brasil estava na 120º colocação (de um total de 189) e a Coreia do Sul estava em 5º lugar. Para referência considere que os vizinhos da Coreia do Sul eram Dinamarca (4º lugar) e Noruega (6º lugar), enquanto os vizinhos do Brasil eram Nicarágua (119º lugar) e a Federação de São Cristóvão e Neves (121º). Os rankings são de períodos recentes e refletem os esforços realizados desde a década de 1990 para melhorar tanto a educação quanto o ambiente de negócios, não tenho medidas de ambiente de negócios nem rankings de desempenho da educação para a década de 1980, mas observando o índice de capital humano da Penn Wolrd Table 8.0 é possível identificar os esforços do Brasil na educação. Entre 1990 o índice brasileiro cresceu 34,8%, o da Coreia do Sul cresceu 19,3% e o dos EUA cresceu com 6%.
A melhora no índice de capital humano da Penn World Table bem como os esforços para melhorar o ambiente de negócios no Brasil não foram obras do acaso. Um grande esforço foi feito para entender o desastre econômico na América Latina, tal esforço inspirou a agenda de reformas que tomou conta do Brasil e da América Latina na década de 1990. Os princípios que guiaram as reformas foram compilados no que ficou conhecido como Consenso de Washington 7 cujo a versão original de 1989 teve os seguintes pontos:
A despeito das propagandas de vários governos, a disciplina fiscal nunca foi realmente obtida no país. Parte da falta de disciplina fiscal decorre das obrigações impostas pela Constituição de 1988 e pelo modelo brasileiro de estado de bem-estar, porém a pressão fiscal também decorre da necessidade de agradar aliados políticos e do fato de o Brasil não ter abandonado os gastos focados em crescimento. A reorganização dos gastos públicos buscando priorizar gastos pró-pobres de fato correu, símbolo de tal reforma é o programa Bolsa Família, porém, a partir de 2005 os gastos direcionados ao crescimento voltaram a cena no processo de contrarreformas iniciado no segundo governo Lula e aprofundado no governo Dilma. A reforma tributária foi tentada por diversas vezes, mas “via de regra” ficou presa nos labirintos do pacto federativo e saindo de cena para dar lugar remendos tributários visando aumentar a arrecadação do governo.
Após o Plano Real as taxas de juros passaram a ser determinada por uma política monetária voltada exclusivamente para o controle da inflação, isso é que mais perto chegamos do conceito de taxas de juros determinadas pelo mercado, ou seja, a taxa de juros reflete os fundamentos da economia e não o desejo do governo de induzir o investimento ou o crescimento. O Tripé Macroeconômico ao adotar o regime de metas de inflação continuou seguindo o princípio de taxas de juros desvinculadas de políticas de crescimento. Tal princípio foi parcialmente abandonado no governo Dilma quando da substituição do Tripé Macroeconômico pela Nova Matriz Macroeconômica, essa última tinha como objetivo determinar a taxa de juros levando em conta, além do controle da inflação, o estimulo ao investimento. Assim a reforma da política monetária que ocorreu em 1994 e durou até 2010 foi revertida pela contrarreforma do governo Dilma.
O uso da taxa de câmbio como âncora do lado nominal da economia na primeira fase do Plano Real impediu a busca por uma taxa de câmbio competitiva, seja lá o que se entenda por taxa de câmbio competitiva. Com o advento do Tripé Macroeconômico especificamente com a adoção do regime de câmbio flutuante o regime cambial se aproximou do que se pode entender por taxas de câmbio competitivas se tal conceito é entendido como taxa de câmbio que não está artificialmente valorizada. A Nova Matriz Macroeconômica tentou induzir um processo de desvalorização da taxa de câmbio que pode ser visto como busca de uma taxa de câmbio competitiva se por taxa de câmbio competitiva for entendido uma taxa de câmbio artificialmente desvalorizada.
A liberação comercial ocorreu de forma bem modesta, se é verdade que o período de reformas deixou a economia brasileira mais aberta do que era na década de 1980 também é verdade que o grau de abertura da economia brasileira é baixo quando comparado a de outros países em desenvolvimento. O processo de abertura iniciado ainda no governo Collor foi amenizado e mesmo revertido nos anos posteriores. Em relação ao investimento estrangeiro direto de fato ocorreu uma mudança significativa, depois de um grande salto no início da década de 1990 o investimento estrangeiro direto como fração do PIB caiu e se estabilizou em valores bem acima dos observados antes das reformas. A Figura 5 ilustra o investimento estrangeiro direto como proporção do PIB no Brasil.
As privatizações são um dos aspectos mais debatidos em relação a aplicação do Consenso de Washington n o Brasil. O país privatizou um grande número de empresas estatais e transferiu para o setor privado vários serviços relevantes, entretanto muitas outras empresas e serviços continuaram controlados pelo Estado. Embora não tenham ocorrido reestatizações significativas no período de contrarreformas houve uma onda de criação de novas estatais e fortalecimento de estatais antigas que não foram privatizadas na década de 1990. A volta do ativismo econômico do governo está no centro do atual debate econômico e será discutida na quarta seção.
As questões relativas a desregulamentação e fortalecimento do direito de propriedade avançaram pouco e até mesmo recuaram em algumas dimensões. A questão da propriedade rural é objeto intenso de debates e parte significativa da legislação pós reformas veio no sentido de fragilizar a propriedade rural. Também existe um problema de propriedade urbana que afeta várias áreas que apesar de irregulares abrigam um grande contingente de famílias. Os retratos obtidos no Doing Business do Banco Mundial deixam claro que ainda há muito a ser feito no quesito desregulamentação.
Como visto o Brasil avançou de forma diferente nos vários itens da agenda reformista, porém é inegável que o Brasil aderiu a tal agenda. Muita ainda vai ser discutido a respeito da validade das reformas, é fato que não aconteceu a retomada do crescimento em níveis comparáveis aos observados antes da década de 1980. Porém também é fato que as reformas conseguiram estabilizar a inflação e retomar um crescimento modesto, porém positivo. Na década de 1980 o crescimento do PIB per capita foi de -0,31% ao ano, no período pós-estabilização8 a taxa de crescimento foi de 1,67% ao ano, se forem excluídos os anos de governo Dilma, um governo que avançou com as contrarreformas, a taxa de crescimento seria de 1,75% ao ano, longe do ideal, mas bem superior a queda observada na década de 1980. Se os efeitos no crescimento ficaram aquém do esperado os efeitos na inflação foram indiscutíveis, a inflação média na década de 1980 medida pelo IGP-DI foi de 530% ao ano, entre 1995 e 2012 a inflação média foi de 9,12%. Que a agenda reformista da década de 1990 tenha conseguido acabar com a hiperinflação e ainda ter revertido o processo de estagnação da economia é um feito que merece mais atenção do que costuma receber.
3. Inclusão Social
Para além da estabilização a inclusão social foi uma das características mais marcantes do período das reformas. A Constituição de 1988 estabeleceu as bases para criação de um estado de bem-estar social no Brasil, porém as condições econômicas da década de 1980 tornavam impossível implementar as medidas previstas na nova constituição. Como aumentar o salário mínimo em uma economia com crescimento negativo e inflação descontrolada? Como tornar o SUS uma realidade se a política econômica girava em torno de planos econômicos e pacotes contra inflação? Como fazer políticas sociais e combater a pobreza sem condições mínimas de planejamento? Estabilizar a economia e acabar a estagnação eram condições necessárias para conseguir a inclusão social.
A redução da pobreza e da pobreza extrema após a estabilização e durante o período de reformas é notável. Em 1990 a proporção de brasileiros vivendo em pobreza extrema era 19,10% da população total e 40,13% da população vivia na pobreza. Em 2000 as proporções tinham caído para 15,03% e 34,73%, respectivamente. Com a retomada do crescimento e o incremento dos programas sociais na primeira década do século XXI a queda foi ainda mais expressiva, em 2012 a pobreza extrema englobava 5,39% da população enquanto 14,8% viviam na pobreza. A Figura 6 mostra a queda na taxa de pobreza e de pobreza extrema no Brasil.
A redução da pobreza não foi o único fenômeno que se seguiu à estabilização da economia e agenda de reformas. O aumento do salário mínimo também foi iniciado na década de 1990. Corrigindo o valor nominal do salário mínimo pelo IPCA o aumento médio do salário mínimo entre 1995 e 2002 foi de 3% ao ano, entre 2003 e 2010 foi de 6,4% e entre 2011 e 2014 foi de 2,9% ao ano, se for considerado o INPC o crescimento médio foi de 1,9%, 5,3% e 2,9%, respectivamente. Destaque para a redução no ritmo de crescimento do salário mínimo no governo que aprofundou as contrarreformas.
De todas as formas de observar a redução na pobreza e a melhora das condições de vida da população que ocorreu no período das reformas a mais clara é observar a evolução do IDH nos municípios brasileiros. O relatório do PNUD a respeito apresenta um conjunto de mapas que reproduzo na Figura 7
Na Figura 7 fica fácil observar como no período entre 1991 e 2010 o Brasil deixou de ser um país de IDH baixo para se tornar um país de IDH médio e alto. Naturalmente a evolução do IDH decorre de uma série de fatores, dentro os quais destacam-se as reformas e a retomada da democracia.
4. Considerações Finais
Durante a década de 1980 o Brasil enfrentou um processo de transformação política caracterizado pelo encerramento da ditadura militar iniciada em 1964 e o início da transição para um regime democrático. O processo foi conturbado pela morte do presidente escolhido para liderar a transição e pelo afastamento do primeiro presidente eleito por denúncias de corrupção. Nos dois casos os vice-presidentes conseguiram sustentar os impactos dos choques e possibilitaram a consolidação da democracia no Brasil. A transição política ocorreu no meio de uma crise econômica caracterizada por estagnação e inflação fora de controle, o uso de choques heterodoxos para resolver o problema da economia acabou por agravar a situação de forma que no início da década de 1990 a economia brasileira estava em depressão9 e em um processo de hiperinflação.
O combate à crise veio por meio de reformas pró mercado e por um programa de estabilização que não apelou para choques, congelamentos de preços, sequestro de ativos ou outras medidas heterodoxas. Para garantir que a inflação não voltasse a patamares anteriores ao plano seria necessária uma combinação de políticas fiscais e monetárias restritivas, porém a necessidade de implantar o estado de bem-estar social prescrito na Constituição de 1988 e pressões de políticas de diversas naturezas impediram o ajuste fiscal o que forçou uma política monetária ainda mais restritiva do que a seu seria normalmente necessária. A combinação de juros altos e déficits elevados levaram a um crescimento da dívida pública muito superior ao do PIB e, no limite, inviabilizou o uso do câmbio para dar credibilidade ao Real, a resposta para nova crise veio por meio do Tripé Macroeconômico. É nesse ambiente de que começa o século XXI.
O início do século XXI veio com um crescimento significativo nos preços das commodities, tal crescimento permitiu a solução dos problemas no balanço de pagamentos e possibilitou um crescimento que permitiu o fortalecimento dos programas sociais, do salário e de outras medidas de inclusão social. Por outro lado, o crescimento gerou um espaço para aumento de gastos do governo que foram parcialmente direcionados para políticas de crescimento, tal desvio era um claro rompimento que o Consenso de Washington que preconizava um redirecionamento de gastos em políticas de crescimento para gastos em políticas sociais. Ali começava uma agenda de contrarreformas, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) simboliza essa nova agenda.
Com a crise de 2008 cresceu a ideia de que o Estado devia incentivar o processo de crescimento, as contrarreformas foram aprofundadas com o aumento significativo dos aportes do BNDES para financiar o investimento. O auge das contrarreformas ocorre no primeiro governo de Dilma Roussef quando a Nova Matriz Macroeconômica aparece para substituir o Tripé Macroeconômico. O novo modelo apostava no câmbio e na taxa de juros como ferramentas de estímulo ao crescimento.
O fracasso da Nova Matriz Macroeconômica em estimular o crescimento e o investimento colocou em cheque a agenda de contrarreformas. Desde o governo de José Sarney o Brasil vinha vencendo desafios importantes, primeiro a consolidação das instituições democráticas (Sarney, Collor e Itamar), depois a estabilização da economia (Itamar e Fernando Henrique) e finalmente o combate à miséria e a inclusão social (Fernando Henrique e Lula), o governo Dilma Roussef seria o governo da retomada do crescimento. Não apenas a retomada do crescimento não correu como a economia entrou em crise com um crescimento que lembra perigosamente o da década de 1980, a estabilização foi ameaçada e a redução da pobreza perdeu folego. O nível de emprego que era o único indicador positivo do governo Dilma começa dar sinais que vai piorar antes mesmo de começar o segundo mandato.
5. Referências
Bugarin, Mirta, Roberto Ellery Jr, Victor Gomes e Arilton Teixeira. The Brazilian Depression in the 1980s and 1990s. Em Great Depressions of the Twentieth Century, Timothy Kehoe e Edward Prescott (org). Federal Reserve Bank of Minneapolis. 2007.
Ellery Jr, Roberto. Desafios para o cálculo da produtividade total dos fatores. Em: Produtividade no Brasil: Desempenho e Determinantes. IPEA, 2014.
Psacharopulos, George. Returns to investment in education: A global update. World Development, v.22, n.9. 1994.
PNUD. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro. Série Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013.
Sargent, Thomas. The End of Four Big Inflations. Em: Inflation: Causes and Effects, Robert Hall (org). NBER. 1982.
Solow, Robert. A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, v.70 (1), 1956.
Solow, Robert. Technical change and aggregate production function. The Review of Economics and Statistics, v.39 (3). 1957.
Williamson, John. A Short History of the Washington Consensus. Em: Fundación CIDOB conference: From the Washington Consensus towards a new Global Governance. 2004.
2 Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna, calculado pela Fundação Getúlio Vargas.
3 Em 1998 Fernando Henrique Cardoso foi reeleito sem necessidade de segundo turno. A mudança da política econômica logo após as eleições fez com que importantes setores do Partido dos Trabalhadores, partido que liderava a oposição a Fernando Henrique, levantassem a tese do estelionato eleitoral e pedissem o impeachment do presidente recém reeleito.
4 Produtividade total dos fatores é uma medida de produtividade que considera tanto o trabalho quanto o capital, para mais a respeito da produtividade total dos fatores no Brasil ver Ellery Jr (2014).
5 É esperado que a PTF em países em desenvolvimento cresçam mais rápido do que a PTF em países desenvolvidos, a ideia é que países em desenvolvimento podem ganhar produtividade por meio da criação de novas tecnologias ou por meio de adoção de tecnologias existentes em países desenvolvidos, os países ricos só contam com a primeira opção.
6 O índice de capital humano da Penn World Table é construído seguindo Psacharopulos (1994).
7 A respeito do Consenso de Washington ver Williamson (2004).
8 Especificamente 1995 a 2012.
9 A respeito da grande depressão brasileira nas décadas de 1980 e 1990 ver Bugarin et al (2007).
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