Gustavo Leite Alvarenga*
Wesley Vieira da Silva **
Ângela Cristiane Santos Póvoa ***
Universidade Católica do Paraná,
gustla@uol.com.br
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RESUMO
Os ganhos proporcionados pelo movimento dos preços na Bolsa de Valores estão condicionados à capacidade preditiva dos investidores que antecipam as tendências do mercado. Desta forma, poucos são os que obtém retornos superiores frente a uma massa de perdedores. Nesta perspectiva, a decisão de operar no mercado financeiro tem como base a autoavaliação que o investidor faz sobre suas próprias habilidades. Este artigo procura identificar, sob a ótica das Finanças Comportamentais, a relação entre três facetas do investidor: seu perfil sociodemográfico, seu nível de confiança ou otimismo e sua exposição ao risco. Para tanto, foi utilizada um survey como instrumento de coleta de dados em uma amostra composta por 371 investidores. A análise dos resultados reforça estudos anteriores que demonstram o excesso de confiança entre investidores.
Palavras-chave: Finanças Comportamentais, Investidores Brasileiros, Excesso de Confiança, Exposição ao Risco.
Overconfidence, OPTIMISM AND EXPOSURE TO RISK: A Study of Behavior and Self-perception of the Brazilian Investor.
ABSTRACT
The gains provided by the movement of prices on the Stock Exchange is conditioned upon predictive ability of investors to anticipate market trends. Thus, there are few who get higher returns compared to a mass of losers. In this perspective, the decision to operate in the financial markets is based on self-assessment that the investor makes on his own. This article seeks to identify, from the perspective of Behavioral Finance , the relationship between three investor facets : their demographic profile , their confidence level or optimism and risk exposure. Thus, a survey was used as an instrument for data collection in a sample of 371 independent investors. The results reinforce previous studies showing overconfidence among investors.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Gustavo Leite Alvarenga, Wesley Vieira da Silva y Ângela Cristiane Santos Póvoa (2017): “Excesso de Confiança, Otimismo e Exposição ao Risco: Um Estudo do Comportamento e da Autopercepção do Investidor Brasileiro”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (agosto 2017). En línea:
http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/17/estudo-comportamento.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/br17estudo-comportamento
O hábito de comprar e vender ações e outros ativos em bolsa de valores tem se popularizado nos últimos anos no Brasil. Julgando serem capazes de definir o momento certo de compra e venda de um ativo, tais investidores esperam ganhar com a natural volatilidade do mercado. Por trás desse processo decisório parece haver aspectos cognitivos intrínsecos ao ser humano que o tornam propensos a uma falsa ideia de controle sobre o complexo ambiente em que se situam.
Superar o mercado ou antecipar-se à maioria dos agentes que negociam em bolsa de valores por um longo prazo não é tarefa simples, e já foi considerada como prática fadada ao fracasso. A Hipótese de Eficiência dos Mercados e a Teoria dos Passeios Aleatórios, ambas defendidas por Fama (1995) entre outros autores, são exemplos de teorias que surgiram demonstrando como as estratégias de compra e venda de ações podem ser inúteis para prover ganhos superiores. Hoje, acredita-se na existência de padrões previsíveis no movimento dos preços no mercado e que estão muitas vezes associados às particularidades do comportamento humano. Essas evidências vêm sendo levantadas e discutidas por acadêmicos dedicados a construir um novo corpo teórico: as Finanças Comportamentais.
Segundo Machina (1987), nessa nova abordagem procura-se uma investigação mais profunda do comportamento humano para descrever realmente como a mente lida com as questões econômicas. As pesquisas nesse ramo têm ora investigado os movimentos do mercado, como os efeitos ‘dia da semana’ sobre a variação de preços e índices (SHLEIFER, 2000), ora investigado o próprio investidor, com destaque para os trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky (1979). Estes, entre diversos outros autores, têm dado atenção especial às chamadas heurísticas ou atalhos mentais e aos vieses comportamentais (KAHNEMAN; TVERSKY, 1982; KAHNEMAN; RIEPE, 1998). O excesso de confiança ou otimismo é um exemplo de viés comportamental que, segundo Moore e Healy (2008), está relacionado às diversas ações humanas na política, na economia e no mercado financeiro.
Nesse contexto, este artigo dedica-se a investigar o viés comportamental excesso de confiança ou otimismo em paralelo com o nível de exposição ao risco e aspectos sociodemográficos de investidores brasileiros que operam por conta própria. Para isso, propõem-se como objetivos: identificar o perfil sociodemográfico do investidor brasileiro; identificar o fenômeno comportamental excesso de confiança; demonstrar o nível de exposição ao risco desses investidores; e, por fim, com o auxílio de técnicas estatísticas, buscar estabelecer relações possíveis entre essas três perspectivas: perfil, confiança e risco.
A relevância desta abordagem se dá pelo considerável número de envolvidos, pois, no mercado brasileiro, os investidores individuais correspondem a 16,3% (BM&FBOVESPA, 2017) do volume negociado na bolsa de valores de São Paulo. Nos últimos anos, a presença desses investidores no mercado vem crescendo e, por não estarem vinculados a nenhuma instituição financeira, operam segundo crenças e regras próprias. Muitas vezes, as decisões de compra e venda de ações são tomadas por esses indivíduos com base na intuição ou por influências sociais e da mídia. Existem relatos e estudos que demonstram que tais investidores sofrem com a falta de preparo e instrução (ODEAN, 1998; BARBER; ODEAN, 2000). Há também indícios de que são operadores compulsivos, indisciplinados e incapazes de lidar com o risco. Além disso, conforme Simon (1986), é promissora a busca por compreender como a mente humana resolve problemas e toma decisões.
Este trabalho divide-se em cinco seções. Além desta introdução, o texto foi organizado em referencial teórico, procedimentos metodológicos, apresentação e análise dos dados e, por fim, a conclusão. A apresentação dos resultados foi divida em duas partes: a primeira procedeu a uma análise univariada dos resultados da pesquisa e a segunda, utilizou-se de uma análise multivariada por meio da análise fatorial.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Não é recente o esforço dos investidores em interpretar as informações do mercado de capitais buscando antecipar os movimentos futuros de ações. Também não é recente a discussão acadêmica sobre a eficiência dessa atividade. Durante certo período, alguns acadêmicos foram avessos à ideia de obtenção de retornos superiores pela antecipação dos movimentos do mercado, considerando tal atividade inútil (Fama, 1970; Samuelson, 1965;Fama;French, 1992). Contudo, em décadas recentes, estudos com novas abordagens vêm demonstrando que o comportamento humano pode revelar padrões e possibilidades antes menosprezadas.
A Hipótese dos Mercados Eficientes (HME) e a Teoria dos Passeios Aleatórios (TPA) foram, em conjunto, as principais teorias que colocaram à prova a capacidade preditiva dos profissionais do mercado financeiro. Uma das indagações básicas era sobre a possibilidade de superação consistente do mercado por meio de uma gestão ativa realizada por frequentes negócios de compra e venda. Os resultados dos estudos indicavam a impossibilidade de se “bater” ou superar a estratégia passiva de simplesmente comprar e se manter na posição, o chamado buy-and-hold (comprar e segurar).
Shiller (2001) retrata que o termo Hipótese dos Mercados Eficientes foi primeiramente cunhado por Harry Roberts, em 1967, em um artigo nunca publicado e que ficou conhecido por meio das discussões desenvolvidas principalmente por Fama (1970). Fama (1995) descreve o mercado eficiente como um mercado de livre acesso a informações no qual existe grande número de agentes racionais que, competitivamente, tentam maximizar seus lucros a partir da definição de preços futuros. Nesse mercado, os atuais preços refletem o consenso dos agentes sobre as informações passadas e as expectativas futuras. A partir disso, Fama (1995, p.77) conclui que, em um mercado eficiente, o preço de um ativo em qualquer dado momento é a melhor estimativa de seu valor intrínseco.
Como na HME, a TPA discutida por Fama (1970) também defendia como mera ilusão o fato de se encontrar alguma informação válida que proporcionasse a um investidor vantagem em relação aos outros. Para os adeptos da TPA, os preços no mercado financeiro apresentam um movimento estocástico ou um caminho aleatório e, portanto, sem conexão com qualquer padrão anterior.
Desta forma, em um mercado onde é válida a TPA, nenhum mecanismo ou técnica pode consistentemente superar, por um longo período, a estratégia passiva de simplesmente permanecer comprado em um ativo. Para Fama (1995), a TPA implica que uma série de variações de preços de ações não tem memória e, portanto, não pode ser usada para prever o futuro de nenhuma forma significante.
Apesar dos estudos ao longo da segunda metade do século XX relatarem resultados favoráveis à TPA, a exemplo de Samuelson (1965) e Fama e French (1992), evidências empíricas vêm apontando imperfeições neste modelo, conforme relatado por Shiller (2003) e Sewell (2011). Essas evidências ou “anomalias” nos modelos teóricos da TPA ou da HME parecem conter padrões resultantes da ação humana e suas peculiaridades comportamentais..
Ao longo das últimas décadas, estudos têm sido conduzidos e vêm apontando para padrões sistemáticos encontrados nos movimentos dos ativos no mercado financeiro, refutando a ideia da eficiência dos mercados e do passeio aleatório. Os indícios formaram um suprimento para o início de uma nova abordagem teórica: as Finanças Comportamentais. Esse novo ramo de pesquisa procura responder questões negligenciadas pela economia e pela teoria financeira moderna. Como Ferreira (2008, p.38) descreve, “ao contrário dos economistas, que desprezam as anomalias, os psicólogos econômicos fazem delas seu objeto de estudo privilegiado.”
A origem dos estudos em finanças comportamentais tem sido atribuída às publicações dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky (1971, 1974). Porém, segundo Sewell(2011), o marco inicial das finanças comportamentais deu-se pela publicação do estudo sobre reações exacerbadas no mercado acionário conduzido por Bondte Thaler (1985).
Alguns estudos sem finanças comportamentais procuram demonstrar como o ser humano e suas características influenciam o comportamento dos preços no mercado de capitais. Como exemplo, os estudos sobre o efeito ‘dia da semana’ na variação de índices de bolsas de valores bem como os movimentos extremos causados pelo pânico ou pela euforia. Em outras pesquisas o foco tem sido os próprios aspectos comportamentais e não seus efeitos no mercado.
Tversky e Kahneman (1974) demonstraram como as pessoas usam mecanismos mentais para simplificar um problema e seu ambiente de forma a encontrar uma solução viável. Segundo os autores, esses atalhos têm grande valia, mas levam o tomador de decisão a cometer erros graves e sistemáticos. Para compreender de forma mais clara como uma pessoa toma decisões em uma situação que envolve incerteza, os diversos autores têm buscado organizar e categorizar os comportamentos que interferem no processo decisório. A partir dos estudos de Tversky e Kahneman (1974), essas categorias têm sido representadas principalmente pelas heurísticas e os vieses comportamentais.
As heurísticas comportamentais, conforme descrito por Bazerman e Moore (2010), são atalhos mentais utilizados pelas pessoas quando tomam uma decisão. Elas são levadas, muitas vezes, a sacrificar a qualidade de uma decisão em função da economia do tempo. Segundo Bazerman e Moore (2010), a heurística é um mecanismo mental que automatiza algumas funções cognitivas para que uma pessoa não precise sempre recorrer às “ruminações” mentais para decidir sobre algo. Já os vieses comportamentais podem acontecer mesmo quando as pessoas tentam refletir deforma mais profunda sobre as variáveis que serviram de apoio para a tomada de decisão.
Dentre os diversos tipos de vieses e heurísticas que vêm sendo estudados, destaca-se um que pode causar grande distúrbio no processo de tomada de decisão na alocação de recursos em ativos de risco: o excesso de confiança ou otimismo. Investidores frequentemente apostam em seu talento e preveem valores e tendências com alto grau de confiança. Algumas pesquisas (STEEN. 2004; GRINBLATT, 2001; PETERSON, 2008) vêm demonstrando que a maioria das pessoas considera-se “acima da média” quando são questionadas sobre suas habilidades físicas, mentais e motoras. Essa constatação também se verifica no mercado. Confiantes, investidores subestimam resultados ruins de eventos futuros dos quais sequer possuem controle. Parecem sofrer de uma ilusão que os leva apensar que podem controlar seu destino, tornando-os imunes aos eventos inesperados (KAHNMAN; RIEPE,1998). Para Peterson (2008, p.84), “a ilusão de controle é, na verdade, um excesso de confiança nas habilidades preditivas.”
Segundo Peterson (2008) a confiança excessiva e o otimismo são intensificados e mais prováveis em situações como: existência de muitas escolhas; sucesso prematuro; familiaridade; excesso de informações; quando há uma aposta pessoal na escolha; e quando há controle significativo no processo de decisão. A presença desse viés é perversa no mercado, conforme Kahneman e Riepe (1998). O excesso de confiança leva investidores a superestimar seus conhecimentos, subestimar riscos e exagerarem a própria percepção sobre suas habilidades para controlar eventos.
3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, descreve-se aqui a metodologia que orientou a execução dos procedimentos de pesquisa. O método científico utilizado configura-se como uma pesquisa descritiva, pois tem como propósito a descrição das características de pessoas que investem seus recursos financeiros em bolsa de valores.
O levantamento das variáveis desta pesquisa foi realizado por meio da aplicação de questionário com 13 perguntas, divididas em dois blocos: o primeiro bloco dedicou-se a levantar os aspectos sociodemográficos dos respondentes; já o segundo bloco foi dedicado a questões elaboradas com o intuito de demonstrar o viés Excesso de Confiança e nível de exposição ao risco. Os resultados dessas últimas questões foram posteriormente trabalhos por meio de análise multivariada e fatorial com o intuito de facilitar o estabelecimento de relações e escalas entre as diversas variáveis. As questões de 1 a 5referentes aos aspectos sociodemográficos foram respondidas por meio de escala de múltipla escolha, ao passo que para as demais foi adotado uma escala do tipo “termômetro”, na qual os respondentes arrastavam um ponteiro em um intervalo contínuo que variava entre “0” e “10”.
A amostragem pode ser classificada como não-probabilística por acessibilidade e conveniência. O questionário elaborado para este trabalho foi disponibilizado por meio da ferramenta Qualtrics, que permite acesso aos respondentes por meio de um link eletrônico. Para alcançar o maior número possível de respondentes, foi construído um website (www.investidoracademico.com.br), na expectativa de favorecer a obtenção de respostas. A divulgação do website ocorreu por meio de três estratégias: i) pelo envio do link para potenciais investidores; ii) pela divulgação em redes sociais da pesquisa, contendo o link para o acesso; e por fim, iii) pela divulgação do site em uma série de fóruns voltados para a discussão sobre o mercado financeiro, estratégia esta que propiciou o maior número de respostas ao questionário.
4 - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos resultados está dividida em duas seções. Primeiramente, são apresentados os resultados obtidos pelas questões propostas, e na sequência, as variáveis são analisadas conjuntamente por meio de análise fatorial com vistas à exploração, estratificação e simplificação dos dados.
4.1 Análise dos dados sociodemográficos
O levantamento sociodemográfico(Tabelas 1 – 5) demonstra o perfil dos investidores que participaram da pesquisa, caracterizados por: faixa etária, tempo de mercado, estado civil, gênero e profissão.
Os investidores são, majoritariamente, homens, com idades entre 21 e 40 anos, casados (60%), e que operam no mercado financeiro a no máximo a 5 anos (57%). Grande parte dos respondentes (75% da amostra) foram classificados como operadores domésticos, ou seja, são operadores não profissionais que administram apenas recursos próprios.
4.2 Análise das questões relativas ao viés Excesso de Confiança e Nível de Exposição ao Risco
Nesta seção são apresentados os resultados das8 questões que foram propostas com o objetivo de revelar o viés comportamental excesso de confiança ou otimismo e demonstrar o nível de exposição ao risco dos investidores.
Frequência de Operações: O primeiro aspecto observado foi a frequência das operações em Bolsa por parte dos respondentes, o que demonstra a frequência com que o investidor lida com o risco. Odean (1998), Grinblatt e Keloharju (2001) e Nofsinger (2010) identificaram associações relevantes entre o nível de confiança dos investidores e o excesso de operações no mercado.
Os resultados aqui levantados indicam que poucos adotam uma estratégia conservadora de longo prazo ou “buy-and-hold”. Apenas 16% da amostra afirmou realizar operações esporádicas durante o ano. Grande parte dos respondentes afirmou realizar movimentações mensais (42%), semanais (21%) e alguns operações diárias (13%), conhecidas pelo termo em inglês “daytrade”.
Projeção de Retorno: com vistas a “medir” o otimismo em relação ao futuro foi solicitado que cada investidor projetasse seu retorno médio para os próximos dez anos, considerando a hipótese de que o Índice Bovespa alcançasse um ótimo retorno médio de 43% por ano. Em uma escala de 0% até 100% a média de retorno projetado foi de 42,65% e 40% dos respondentes responderam que esperam receber mais do que 43% nos próximos anos.
Avaliação dos Resultados comTécnicas de Análise: Sabe-se que os investidores utilizam diversas fontes como as publicações contábeis, a variação dos preços e as notícias publicadas para tomar suas decisões financeiras. Apesar da eficácia de parte dessas ferramentas não possuir comprovação científica, elas são largamente difundidas. Nessa perspectiva, este trabalho procurou revelar o quanto o investidor crê na capacidade de obter bons resultados utilizando uma determinada ferramenta.
Foram apresentadas quatro dentre as principais técnicas conhecidas no mercado, conforme tabela 1. Os respondentes classificaram a técnica de análise numa escala de 1 a 10, sendo a mais baixa classificada como “nunca funciona” e a mais alta como “sempre funciona”, ou ainda, “0” se não utilizasse a técnica. Foi observado que todas as técnicas parecem estar presentes na rotina dos respondentes, com exceção da gestão de portfólios. A análise fundamentalista foi a que demonstrou ter maior credibilidade junto aos investidores (tabela 1).
A tarefa de avaliar a eficiência de uma ferramenta força a pessoa a confrontar expectativas e resultados passados. Essa associação muitas vezes sofre a interferência de emoções, como o excesso de otimismo, e de limitações cognitivas humanas. Conforme os estudos de Kahnman e Riepe (1998), as pessoas raramente recapitulam corretamente o que estavam pensando antes de um evento e o quanto esperavam dele. Bazerman e Moore (2010) relatam que, além de não recordarem os fatos, as pessoas ainda tendem a procurar por confirmações, e não por negações, quando refletem sobre o passado, pois preferem informações consideradas mais úteis e coerentes com suas crenças. Statman (2002) também demonstrou que as pessoas, em geral, superestimam suas performances passadas.
A matriz de correlação, disposta na tabela 2, permite notar uma baixa correlação entre os diferentes tipos de técnicas, demonstrando assim que não são utilizadas em conjunto pelo investidor, mas são excludentes, o que é reforçado pela correlação negativa entre a análise fundamentalista e a análise grafista.
Competência versus Sorte: Este trabalho também buscou identificar quanto os respondentes atribuem os resultados obtidos à sua capacidade de operação e o quanto atribuem ao acaso ou sorte. A maioria dos investidores investigados acreditam que os resultados positivos de suas operações estão fortemente ligados à sua competência. Em uma escala entre 1 (pura sorte) e 10 (pura competência), a média das respostas ficou em 7,63, ou seja, espera-se em média que os resultados sejam consequência direta de 76,3% dos esforços com análises e 23,7% consequência da sorte.
Análise da Capacidade Relativa: O viés excesso de otimismo é muitas vezes associado à tendência das pessoas em se considerarem “superiores a média”. Esses efeitos foram identificados e relatados por diversos autores como Odean (1998), Kahneman e Riepe (1998), Peterson (2008) e Bazerman e Moore (2010). Para Statman (2002), operar no mercado é um “jogo” de soma negativa, pois na média as pessoas perdem. O que leva o investidor ao mercado é justamente a crença em suas habilidades. Frequentemente apostam em seu talento e preveem valores e tendências com alto grau de confiança.
Para avaliar essa questão, foi proposto aos respondentes avaliarem o quanto estes se consideravammais hábeis que os demais investidores. Dos 371 respondentes, apenas 144 (38,8%) consideraram sua capacidade para operar no mercado inferior à da média, ou seja, definiram sua pontuação abaixo de 5. O restante da amostra (61%) considerou-se superior à média do mercado.
Exposição a Ativos de Risco: A alocação dos recursos financeiros vem sendo estudada e aprimorada desde Markowitz, com a publicação de “Portfolio Selection” (1952). Hoje existem diversos modelos sofisticados que procuram dar suporte ao investidor na escolha de sua carteira de investimentos. Apesar disso, estudos demonstram que algumas pessoas utilizam um sistema bem rudimentar para definir o destino dos seus recursos, e os vieses comportamentais frequentemente afetam essa escolha, conforme observado por Nofsinger (2010).
De forma que se pudesse medir o quanto o investidor estava disposto a investir em ativos com maior risco foi solicitado aos respondentes que alocassem hipoteticamente 100% de seus recursos entre cinco tipos de investimentos. As respostas demonstram a predominância de investimentos em ativos considerados de maior risco conforme Tabela 8.
Comprometimento do Orçamento Pessoal: Kahnman e Riepe (1998) notaram em estudos anteriores que uma minoria de investidores que detêm alta proporção de seus investimentos em ações, ou seja, em ativos de maior risco, parecem sofrer mais da ilusão de controle do que os outros. Nesta pesquisa identificou-se o quanto os respondentes estão expostos financeiramente às operações que realizam em bolsa. Para investigar essa questão, foi solicitado aos respondentes que avaliassem o quanto necessitavam dos recursos investidos. Como as operações com ações envolvem um risco relativamente alto se comparado com outros tipos de investimento, o volume de recursos pode demonstrar o quanto as pessoas se expõem a este tipo de aplicação. Os resultados demonstram pouca dependência do dinheiro aplicado na bolsa de valores,
Autoavaliação de Performance (Nota): Por fim, foi solicitado aos respondentes que avaliassem os resultados passados obtidos nas operações em Bolsa. A autoavaliação não é tarefa fácil, pois, envolve o confronto entre expectativas e resultados passados. Além dos limites cognitivos que distorcem essa reflexão, neste caso, as emoções estão ainda mais presentes, uma vez que, além do difícil exercício de recapitular os acontecimentos passados, as pessoas geralmente tendem a evitar sensações de arrependimento e culpa, transferindo as frustrações para “alvos” externos. Esses vieses vêm sendo estudados por pesquisadores como Bazerman e Moore (2010) e Peterson (2008).Os resultados desta pesquisa demonstram que 72,5% dos respondentes avaliaram suas operações passadas com “notas” entre 5 e 8. A média ficou em 6,27 e 57 (15,4%) investidores atribuíram a si mesmos notas entre 9 ou 10.
4.2 –Análise Multivariada e Fatorial
Nesta seção, os dados da survey foram analisados da forma conjunta. Devido à quantidade de variáveis existentes e suas possíveis correlações, optou-se pela análise multivariada e pela análise fatorial. Conforme Hair et. al (2005), a vantagem na utilização da análise multivariada deve-se a sua habilidade em acomodar múltiplas variáveis em uma tentativa de compreender as relações complexas não possíveis com métodos univariados e bivariados. A análise multivariada pode revelar, em um conjunto de dados, conceitos mais gerais que anteriormente estavam ocultos. Já a análise fatorial é um nome genérico dado a uma classe de métodos estatísticos multivariados cujo propósito principal é definir a estrutura subjacente em uma matriz de dados (HAIR et. Al, 2005). O produto principal da análise fatorial são os fatores que demonstram, de forma resumida, como um conjunto de variáveis se relaciona.
Neste trabalho, procurou-se, sob uma perspectiva exploratória, identificar em um conjunto de oito variáveis fatores capazes de resumir e representar de forma simplificada características do comportamento do investidor. Conforme o objetivo desta pesquisa, busca-se de encontrar dentre as variáveis alguma correlação que possa revelar aspectos ocultos do investidor, além disso, confrontar três perspectivas sendo que duas – Confiança e Exposição ao Risco – carecem de uma arranjo simplificado visto que se compõem em 8 variáveis.
O número de observações por variável foi 371 o suficiente para encontrar resultados válidos, pois, conforme Hair Jr. et al. (2005), recomenda-se que o número de observações ou amostragem seja no mínimo maior ou igual a 100, ou no mínimo cinco vezes maior que o número de variáveis.
Como todas as oito variáveis foram coletadas por meio de questões do tipo termômetro (com escala de 1 a 10), os estudos aqui produzidos não careceram de qualquer adaptação ou modificação dos valores originais. Em resumo, as oito variáveis extraídas do instrumento de coleta de dados foram:
O primeiro passo para se verificar uma “viabilidade preliminar" da análise fatorial é a identificação das correlações e níveis de significância das variáveis, como pode ser observado na Tabela 6. Segundo Field (2009), as variáveis devem se correlacionar bem, mas não perfeitamente para que não haja o problema de singularidade dos dados.
Ainda, por se tratar de um estudo comportamental, este trabalho está sujeito a peculiaridades das ciências sociais. Desta forma, um estudo de correlação entre variáveis que representam aspectos do comportamento sofre pela perturbação de um elevado número de fatores causais, como também pela multiplicidade de maneiras com que essas variáveis se relacionam (COHEN et al; 1983).
Cohen (1977) afirma que para o cientista comportamental o objetivo é identificar se há qualquer relação linear entre duas variáveis. Aberson (2010) também relata que o importante não é o quão grande é uma correlação esperada, mas quão grande é a correlação mínima significativa. Aberson (2010) procura essa resposta com base nos resultados encontrados em outras pesquisas comportamentais semelhantes. O autor encontrou correlações de 0,30 e até mesmo de 0,10 que foram validadas devido à natureza das variáveis. Fundamentado por essas referências, as correlações encontradas nesta pesquisa revelam evidências suficientes que demonstram a existência de variáveis dimensionalmente semelhantes e, portanto, agrupáveis.
Outro indicador que reflete a adequação da amostra é o KMO (Kaiser-Meyer-Olkim). Segundo Field (2009), uma amostragem de 300 elementos é o suficiente para fornecer uma solução de fatores estável, porém, para obter maior confiabilidade, pode-se aplicar o método KMO. Para uma análise de fatores adequada espera-se um KMO superior a 0,5, pois desta forma não há difusão no padrão das correlações.
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Com o intuito de verificar possíveis melhorias na adequação do modelo, pode-se extrair variáveis observando desta forma as alterações que são significativamente positivas. Conforme Field (2009), uma vez que os fatores subjacentes tenham sido extraídos, novas comunalidades que representam a correlação múltipla entre cada variável e os fatores extraídos podem ser calculadas. Para esta análise, conforme Tabela 8, verifica-se que não há alteração que seja significante diante do valor encontrado para o KMO.
A extração de fatores foi realizada observando-se a importância ou poder explicativo de cada variável em relação ao conjunto de variáveis existentes. Dois critérios utilizados para a definição da quantidade de fatores foi o da percentagem de variância que, conforme Hair Jr. et al. (2005, p.102), se dá com a “(...) conquista de um percentual cumulativo especificado da variância total extraída por fatores sucessivos.” Nesta pesquisa, dois fatores foram definidos por acumularem uma variância total explicada de 47,3% conforme Tabela 9.
Observa-se que com o cruzamento dos dois fatores e das oito variáveis, pode-se identificar, conforme Field (2009), as cargas de cada variável em cada fator. Observando as variáveis pertencentes a cada fator, é possível então definir dois aspectos distintos do comportamento do investidor que são resumidos por esses dois fatores: Nível de Confiança ou Otimismo; e Exposição ao Risco. No primeiro estão as variáveis, Projeção, Técnica, Sorte, Habilidade e Nota; no segundo estão as variáveis Frequência, Carteira e Exposição.
Fonte: Elaborado pelos autores com suporte do software SPSSEm resumo, notou-se pouca correlação entre os aspectos ligados ao excesso de confiança e exposição ao risco, porém definiu-se de forma nítida a aglomeração das variáveis nos dois componentes apresentados: o Nível de Confiança e o Exposição ao Risco.
4.2.2 Relação entre o Perfil Sociodemográfico e Fatores
Nesta seção discute-se as possíveis correlações entre o perfil sociodemográfico e os fatores encontrados. Procurou-se confrontar os dois fatores comportamentais (Nível de Confiança e Exposição ao Risco) identificados na seção anterior com por meio de cinco características apresentadas pelos investidores (Gênero, Idade, Estado Civil, Tempo de Mercado e Profissão). Conforme a Tabela 18, verifica-se pouca correlação (Pearson) entre essas características e os fatores.(FIELD, 2009). Apenas para o aspecto profissão foram encontradas evidências de uma pequena correlação negativa, -0,217 para o fator 1 e -0,238 para o fator 2.
A correlação negativa do fator 2 com a profissão indica que o estilo de operação do investidor profissional e autônomo é mais agressivo do que o doméstico, já que estão mais expostos financeiramente, operam com maior frequência e possuem uma carteira mais arrojada levando em conta os tipos de investimento apresentados na Tabela 8. A correlação negativa entre o fator 1 e a profissão indica que os profissionais e autônomos apresentam maior confiança e otimismo em relação a suas operações.
Por fim, a análise fatorial permitiu analisar o conjunto de informações composto pelas características sociodemográficas dos respondentes e os resultados das questões que refletem seus aspectos relativos a confiança, otimismo e risco.. Identificou-se ausência de perfis de investidores que estejam mais ou menos correlacionados com algum viés comportamental em específico. De forma geral, o excesso de confiança ou otimismo estão presentes em todos os grupos aqui identificados. Já sobre a exposição ao risco, não houve evidências suficientes para se concluir sobre o investidor brasileiro.
5 – CONCLUSÕES
Tendo em vista o primeiro objetivo deste trabalho - identificar o perfil sociodemográfico do investidor brasileiro - observou-se o predomínio de homens, com idade entre 21 e 40 anos, casados, atuantes no mercado entre uma cinco anos e que compram e vendem ações como atividade complementar a uma outra profissão.
Como segundo e terceiro objetivos, procurou-se investigar e identificar comportamentos que podem estar associados ao viés comportamental ‘excesso de confiança’ ou ‘otimismo’ e levantar o nível de exposição ao risco dos investidores. O presente artigo demonstra que os respondentes operam periodicamente e focam-se em estratégias especulativas, em detrimento de estratégias de longo prazo (buy-and-hold), o que pode refletir o excesso de confiança que induz o investidor a enxergar sempre pontos de entrada e saída no mercado. Tal linha de pensamento é reforçada pelos resultados obtidos e que indicaram a crença de que os ganhos são fruto da competência e não da sorte. Por fim, a maioria dos respondentes avaliou-se como acima da média, o que confirma o sentimento de superioridade em relação aos outros.
Identificou-se também que os respondentes conferem à capacidade preditiva das técnicas que utilizam uma nota média de 7,47 e em relação à autoavaliação deram-se nota média de 6,2. Isso pode indicar que a falta de sucesso está mais associada a fatores pessoais que à eficácia das ferramentas. Em relação às respostas sobre o retorno esperado para os próximos anos, verificou-se otimismo. Já em relação à construção da carteira, percebeu-se grande exposição a ativos considerados de maior risco e grande parte dos respondentes não depende dos recursos investidos em bolsa de valores, o que pode revelar cautela em relação aos negócios realizados em bolsa.
Em fim, foram observadas relações entre as informações da primeira etapa (sociodemográfica) e as da segunda e terceira etapas. Os resultados indicaram correlações pouco significativas entre os perfis sociodemográficos e os dois fatores comportamentais encontrados pela análise fatorial. Conclui-se então que, de forma geral, os investidores são afetados pelo viés excesso de confiança e não há evidência que isso os tornam mais propensos ao risco.
Como limitação dessa pesquisa, ressalta-se a dificuldade de acessar os verdadeiros sentimentos de pessoas em questões subjetivas de auto avaliação - apesar de não haver essa pretensão, mas apenas a de agregar a outras pesquisas evidências sobre a presença de emoções e outras sutilezas de natureza humana na tomada de decisão do investidor. Ainda, o presente estudo não é generalizável devido a sua pequena amostragem quando comparado à população, apesar de significativa.
Como oportunidade, sugere-se a reaplicação do mesmo estudo em outras ocasiões focando outros vieses comportamentais. Os estudos voltados para o comportamento humano em um ambiente econômico são relativamente recentes e ainda há muito o que se identificar e se sistematizar para que se consolide um ramo estruturado de pesquisa.
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** Possui Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Alagoas (1996), Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999) e Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Trabalha com as áreas de Administração, Economia, Ciências Contábeis e Eng. Produção, com ênfase nas seguintes temáticas: Finanças Comportamentais, Análise de Eficiência Técnica e Gerenciamento de Riscos. Exerceu a função de Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração na Pontifícia Universidade Católica do Paraná durante o período de fevereiro de 2010 a fevereiro de 2017 e atualmente é Bolsista de Produtividade em Pesquisa (PQ2) pelo CNPq.
*** Possui graduação em ciências econômicas pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2000), mestrado em administração de empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005) na linha de gestão estratégica e doutorado na mesma Instituição, na linha de pesquisa Finanças Estratégicas (2013). É especialista em Finanças pela FAE Business School (2009) e especialista em magistério do ensino superior pela Pontifícia Universidade Católica de S.Paulo. Já atuou como coordenadora de cursos de administração nas Faculdades Facet e Dom Bosco. Atualmente é docente e pesquisadora do programa de pós-graduação stricto sensu da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Áreas de interesse: Economia, finanças, sustentabilidade empresarial e gestão estratégica.
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