Maria Darlene Araújo de Azevedo*
Auricélia Bezerra de Menezes Silva**
Rozilaine Redi Lago***
José Marlo Araújo de Azevedo ****
Universidade Federal do Acre
azevedodarlene@yahoo.com.br;
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Resumo
Com o objetivo de analisar o contexto em que se dá o atendimento de mulheres com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas em um serviço público especializado, realizamos um estudo transversal, com abordagem quantitativa, junto aos prontuários de usuárias atendidas em um Centro de Atenção Psicossocial de álcool e outras drogas (CAPSad III). A amostra do estudo incluiu todas as mulheres (n=345) com atendimento documentado no serviço, no período de 2008 a 2016. A maioria eram adultas, com idade média de 32,6 anos, com filhos, que não trabalhavam, moravam com familiares e possuíam o nível de escolaridade inferior ao ensino fundamental completo. A média de idade do primeiro uso foi de 17,4 anos, sendo que o acesso às drogas se deu por intermédio de (amigos e/ou familiares). As drogas mais usadas foram, a cocaína (22%), o álcool (21%) e a maconha (19%), sendo que a maioria faz uso de múltiplas drogas (79%). Na análise multivariada foi possível observar a associação com o maior tempo de acompanhamento no CAPS: a situação de emprego, o uso associado de três ou mais tipos de drogas, o atendimento individual do médico psiquiatra, médico clínico, psicólogo e o atendimento em grupo (p<0,05). O atendimento oferecido a mulheres no CAPSad III enfatizou ações individuais, demonstrando a necessidade de se ampliar a abordagem psicossocial no cuidado às mulheres. A consideração das singularidades desse grupo pode favorecer a vinculação ao serviço e potencializar as respostas terapêuticas promovidas.
Palavras-chave: CAPS AD III, dependência química, mulheres.
Abstract
We aimed to analyze the context of mental health care for women seeking care for substance use in a public specialized service. We performed a cross-sectional study towards women who were users of a psychosocial care center for people seeking care in substance use (CAPSad III). Data were collected through review of medical records and were treated statistically. The study included 345 women. Most were adults, mean age 32.6, with children, not working, who lived with family and a lower level of education than elementary school. The average age of first use of drugs was 17.4 years, and the access was through someone they know (friends / family). The most commonly used drug was cocaine (22%), followed by alcohol (21%) and marijuana (19%), most of women make use of multiple drugs (79%). In the multivariate analysis we observed the association with the longer staying in treatment in service: employment status, the use of three or more types of drugs, having individual appointment with a psychiatrist, a clinical physician, a psychologist, and a therapeutic group. These reasons were identified as independent predictors of longer staying in treatment (P<0.05). Conclusion: The care offered for women in CAPSad III are focused on an individual approach to clinical, psychological, and social problems. The emphasis on a psychosocial care approach can improve the impact of the service towards patients. In addition, addressing specific needs of women seeking care for substance use and further research regarding these needs can potentialize the staying of women in treatment and improve therapeutic response.
Keywords: CAPS AD III, Chemical dependence, women.
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Maria Darlene Araújo de Azevedo, Auricélia Bezerra de Menezes Silva, Rozilaine Redi Lago y José Marlo Araújo de Azevedo (2017): “Atenção psicossocial a mulheres que fazem uso de substâncias”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (octubre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/17/atencao-psicossocial-mulheres.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/br17atencao-psicossocial-mulheres
Grandes conquistas sociais e sanitárias foram alcançadas no século XX, as quais possibilitaram o controle de diversas doenças transmissíveis, o aumento da expectativa de vida, dentre outras. Por outro lado, a partir da virada do século XXI, mudanças no consumo de comida, álcool e tabaco têm gerado impactos para a saúde global, sendo os países em desenvolvimento um observatório importante para a saúde pública. A Organização Mundial de Saúde - OMS, no relatório mundial “Saúde mental: nova concepção, nova esperança”, estabeleceu como prioridade a não hospitalização e o tratamento comunitário dos sujeitos em sofrimento mental (OMS, 2002).
Consumismo, capitalismo, globalização, desigualdades sociais, diversas configurações familiares, bem como mudanças de costumes e valores que afetam o comportamento humano, relacionam-se com o consumo de drogas em todo o mundo. Por seus impactos sociais, biológicos e psicossociais a drogadição constitui um grave problema de saúde pública (SOUZA; KANTORSKI, 2009).
De acordo com a OMS, no relatório: “Reducing Risks, Promoting Healthy Life”, distúrbios mentais, neurológicos e por uso de substâncias são comuns em todas as regiões do mundo, afetando diversas comunidades e grupos etários. A maior parte dessas pessoas, principalmente em países pobres, não consegue acessar o cuidado adequado: enquanto 14% do peso de doença são atribuídos a essas desordens, 75% das pessoas afetadas não têm acesso
Com vistas à prevenção do uso, ao tratamento e à reinserção social de usuários e ao enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas, foi estabelecido no Brasil o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, o qual tem funcionado como política catalisadora da concretização de outras políticas públicas em saúde na área (BRASIL, 2010).
Em correspondência com a proposta da OMS, o movimento de reforma psiquiátrica brasileira implicou em um grande projeto político no âmbito dos Serviços de Saúde - SS para atendimento dos sujeitos em sofrimento mental, desencadeando o processo de ajuste da legislação e reorganização dos SS, através de diversas politicas dentre as quais destacamos a Lei federal Nº. 10.216, de 06/04/01, a qual descreve a proteção aos direitos dos sujeitos em sofrimento mental e redireciona o modelo de atenção em saúde mental (BRASIL, 2001).
O CAPSad III consiste na principal estratégia de política pública no Brasil direcionada à atenção à saúde de pessoas com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, contribuindo com a atenção direta, coordenação e matriciamento do cuidado dessas pessoas. Esse serviço deve operar em articulação com os demais serviços de saúde, outros setores públicos, privados e comunitários, com ênfase na Atenção Primária à Saúde e no território (AZEVEDO; MIRANDA, 2010; BASTOS, 2013).
Estudos apontam um aumento do consumo de drogas entre as mulheres (PRADO; QUEIROZ, 2012; SILVA; PEREIRA, 2015). O uso abusivo de drogas entre as mulheres se associa à necessidade e especificidade do sexo feminino (OLIVEIRA et al., 2007). A prática de consumo de drogas entre as mulheres está associada à gravidez, responsabilidade de cuidar da criança, trabalho com sexo, traumas de abusos físicos e sexuais vivenciados na infância ou adolescência e problemas de saúde mental (PRADO; QUEIROZ, 2012).
A fase de adolescência configurasse como período mais vulnerável ao primeiro contato com as drogas para ambos os sexos, uma vez que esse período é permeado por dúvidas, instabilidade emocional e crise de identidade (VARGAS et al., 2015; SILVA; PEREIRA, 2015).
Estudos apontam que mulheres com necessidades decorrentes do uso de substâncias psicoativas não buscam os serviços de saúde em função do preconceito manifesto por profissionais de saúde e sociedade frente à mulher usuária. Dentre os rótulos estigmatizantes envolvendo a mulher usuária de drogas, podemos mencionar “criminosa”, “irresponsável” e “prostituta”. Este estígma se relaciona com barreiras de ordem cultural, social e sistemática, podendo retardar a busca por atendimento (CRUZ et al., 2014).
O perfil geral das mulheres usuárias de drogas se apresenta, predominantemente, como solteiras, mães com filhos menores, desempregadas, sem moradia própria (vivendo com familiares), além do consumo de múltiplas drogas (LIMA et al., 2011; SILVA; PEREIRA, 2015). Outros aspectos que caracterizam o perfil dessas mulheres são a falta de estrutura familiar e o histórico de usuários na família. A prática de uso de drogas na família pode contribuir para a experimentação da droga (LIMBERGER; ANDRETTA, 2015).
Diversos aspectos loco-regionais relacionados à situação do Estado do Acre no cenário amazônico destacam a relevância da investigação do problema, tais como: tríplice fronteira (Peru - Brasil – Bolívia), maior parte do território coberto pela floresta amazônica, posicionamento em rota de tráfico internacional de drogas, fragilidades estruturais e geográficas da região norte do país para o manejo do problema.
Além do exposto, a escassez de informações sobre perfil de uso e resposta terapêutica por parte de usuárias vinculadas ao CAPSad III justifica a realização deste estudo, o qual pode subsidiar a orientação política e social no tocante ao aperfeiçoamento dos serviços prestados às usuárias de drogas no contexto apresentado.
O presente estudo objetivou analisar o contexto em que se dá o atendimento de mulheres com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas em um serviço público de saúde mental especializado bem como, descrever o perfil socioeconômico e demográfico das usuárias atendidas no serviço, além de descrever o contexto de uso de substâncias psicoativas por mulheres que buscaram atendimento no serviço e analisar o uso do serviço e resposta terapêutica apresentada por parte das usuárias.
Trata-se de um estudo transversal, com abordagem quantitativa e analítica, originado de um projeto maior que visa analisar a atenção à saúde de pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas no CAPSad III.
Os sujeitos de pesquisa foram as usuárias que buscaram atendimento no CAPSad III desde sua inauguração, em 2002, até o ano de 2016. Este serviço constitui o único equipamento de saúde pública nesta modalidade em todo o estado do Acre, desempenhando o papel de coordenador da atenção à saúde de pessoas que fazem uso prejudicial de álcool, crack e outras drogas, em articulação com outros serviços públicos e comunitários nesta perspectiva.
A coleta de dados foi realizada junto aos prontuários de todas as usuárias atendidas no serviço. Os registros dos prontuários foram analisados considerando variáveis socioeconômicas (nível educacional, renda pessoal e/ou familiar, situação de moradia [casa alugada, própria, situação de rua, em situação de acolhimento – albergue, comunidade terapêutica, CAPS, etc.], situação laboral), demográficas (idade, sexo, naturalidade, status conjugal e se tem filhos), de uso do serviço (número, período, duração, tipo, profissional responsável, intervenção adotada, dentre outras características do atendimento) e resposta terapêutica (conforme registro de profissionais no prontuário do paciente, tais como, motivo de busca pelo atendimento, acesso ao serviço, demanda espontânea, acompanhada de amigos ou familiares ou encaminhamento). Foram excluídos deste componente da pesquisa todos os prontuários de usuários do sexo masculino. O processo de coleta de dados ocorreu no período de janeiro a maio de 2016, obedecendo a disponibilidade e rotina de trabalho do CAPSad III.
Os dados foram coletados por uma equipe de pesquisadores previamente treinada, de acordo com um roteiro semiestruturado, após realização de teste piloto. Em seguida, os dados foram inseridos, processados e analisados utilizando-se o software Excel e SPSS v.17. Foram calculados frequência absoluta e relativa, média, mediana, desvio padrão, e testes de significância estatística na verificação de associação entre as variáveis investigadas.
A análise bivariada examinou a prevalência em cada variável estudada, as associações foram testadas utilizando o teste qui-quadrado, e consideradas significativas diferenças com valor de p≤0,05 e intervalo com 95% de confiança (IC 95%). Para analisar a associação da variável dependente no seguimento em meses e a contribuição de cada fator associado, ajustado pelas demais variáveis presentes no modelo, foi desenvolvido um modelo múltiplo de regressão logística onde foram testados todos os fatores que na análise univariada apresentaram valor de p<0,20.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Acre de acordo com o parecer n. 516.907, emitido em: 28/01/2014. No percurso metodológico serão obedecidos todos os termos da Portaria 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde – CNS, dentre eles a garantia de consentimento prévio, voluntário e documentado da participação dos sujeitos de pesquisa, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.
Participaram do estudo 345 mulheres. Delas, (80%, n=339) eram adultas com idades entre 20 e 63 anos, a média de idade foi 32,6 anos, (92%, n=207) possuíam filhos, (61%, n=204) não tinham companheiro, (73%, n=227) não trabalhavam, (51%, n=271) moravam com familiares e (51%, n=185) possuíam o nível de escolaridade inferior ao ensino fundamental completo (TABELA 1).
O primeiro contato com as drogas ocorreu no período da adolescência (60%, N= 182), a média de idade do primeiro uso foi de 17,4 anos, sendo que o acesso se deu através de alguém conhecido (amigos/familiares), (82%, N=133). A droga mais usada foi a cocaína (22%), seguida por álcool (21%) e maconha (19%), sendo que a maioria faz uso de múltiplas drogas (79%) (TABELA 1).
Quanto ao uso do serviço a maioria das mulheres vem por determinação externa (61%, N=321) quando comparada com a decisão particular. O atendimento médico (clínico geral e psiquiatra) é o atendimento predominante (39%), com destaque para o clínico geral, pois o serviço só teve o médico psiquiatra por um período de tempo determinado. O segundo grupo profissional com maior contato com as usuárias foi a equipe de enfermagem (22%, N=321). O atendimento com outros profissionais, tais como assistente social, psicólogo e oficineiro, ainda é baixo de acordo com os registros (32%). (TABELA 1).
As usuárias tiveram um tempo médio de seguimento no serviço de 6 meses, sendo que as mesmas foram atendidas em média 12,10 vezes neste período, ou seja, aproximadamente duas vezes por mês.
Participaram do estudo 345 mulheres atendidas no CAPSad III, cuja média de idade da população foi 32,6 anos, delas, 73% (N=227) não trabalhavam. De acordo com Silva (2013), o fato de não estarem incluídas no mercado de trabalho formal, fortalece as características socioeconômicas encontradas na caracterização do perfil das usuárias. Estudos tem evidenciado que as usuárias relataram diversos prejuízos psicossociais em decorrência do uso das drogas, como perda do emprego, de bens materiais e afastamento da família (BEDIN ZANATTA et al., 2012). A maioria das usuárias (61%, N=204) não tinham companheiro, (92%, n=190) mas tinham filhos, (51%, N=185) possuiam o ensino fundamental incompleto e moravam com familiares (51% N=271). Silva e Pereira (2015), descrevem o perfil das usuárias de cocaína e crack como predominantemente solteiras, com filhos menores de idade, sem ocupação remunerada, apresentam alterações psicóticas ou de humor e utilizam múltiplas drogas.
O primeiro contato com as drogas foi no período da adolescência com idades entre 12 e 19 anos, sendo que a idade média do primeiro uso foi 17,4 anos (61%, N= 182). No estudo de Pierobon e colaboradores (2013), sobre o consumo de álcool e violência entre adolescentes argentinos com idades entre 13 e 15 anos demostrou que mais da metade (51,9%) dos participantes informaram que consumiram álcool no último mês, incluindo (55,0%) do sexo masculino (49,2%) do sexo feminino. Vieira et al. (2008), em seu estudo sobre uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil a idade média do primeiro contato com tabaco e álcool, relatado pelos jovens, foi de 11,7 e 11,3 anos, a experiência com outras drogas aconteceu mais tarde, com idade média de 13,0 anos, Peixoto e colaboradores (2010), apresentam a idade média de início de uso de 17,3 anos de idade com prevalência para o sexo masculino.
O acesso a droga se deu através de alguém conhecido (amigos/familiares) (82%, N=133). Vargas e colaboradores (2015), relatam que o contato com as drogas por meio dos amigos esteve relacionado a um sentimento de aceitação no grupo, lazer ou prazer. No contexto familiar, o estudo apresenta a influência de algum familiar no que se refere ao primeiro contato com as drogas, como: pais, primos, tias entre outros. Também demostrou que as mulheres costumam fazer o primeiro uso no ambiente domiciliar sozinhas ou no contexto dos relacionamentos afetivos, como o namorado, às vezes, pela facilitação do parceiro em adquirir a droga.
A droga mais usada registrada nos prontuários foi a cocaína (22%), seguida do álcool (21%) e maconha (19%), sendo que a maioria faz uso de múltiplas drogas. Além dessas drogas já citadas foram encontrados registro de uso de Cigarro/Tabaco, Crack, Oxi, Pasta Base, Cola, Tine, “Doce”, “Arroz”, “Feijão”, Ecstasy, Daime, Bala, Rapé, Heroína e Medicamentos. O uso abusivo de álcool, tabaco e de drogas ilícitas está presente na vida das pessoas em todas as faixas etárias, classes sociais e gêneros, sendo que com maior frequência nas comunidades mais vulneráveis socialmente. Considera-se que alguns fatores socioeconômicos são desfavoráveis e associam-se à violência, como condições de moradia inadequada, baixa escolaridade, desemprego e outras categorias associadas à pobreza (PINHO et al., 2002).
De acordo com Pinho e colaboradores (2002), o uso e abuso de drogas ilícitas vem aumentando desde a década de 1990, configurando-se como um problema complexo e desafiante enfrentado pelos governantes de diversos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Tornou-se alvo de debates e questionamentos nas diversas partes da sociedade e tem gerado preocupação, uma vez que as consequências têm impactos diretos no bem-estar do indivíduo, e na vida das famílias e comunidades.
Quanto ao uso do serviço a maioria das mulheres vem por determinação externa (61%, N=321) em relação à decisão particular. De acordo com Peixoto e outros autores (2010), este fato indica que mulheres conseguem esconder a dependência por mais tempo e que, por conta da forma como a sociedade vê a mulher usuária de drogas, há maior preocupação em relação a autoimagem ao expor-se a um tratamento em que terá que se assumir publicamente esse adoecimento.
De acordo com Peixoto e outros autores (2010), mulheres procuram menos os serviços de atendimento a usuários de álcool e drogas do que os homens, por razões como o estigma social em relação ao papel da mulher e por conta do próprio perfil de usuário da mulher ser diferente do homem. Os autores chamam a atenção para a necessidade de reformulação das abordagens atualmente aplicadas aos usuários do CAPSad com perfil de não adesão ao tratamento. Cesar (2006) observou que 90% das mulheres declararam beber em âmbito privado. Esse fato de não buscar o serviço pode estar relacionado com o perfil dos serviços oferecidos considerando que o CAPSad III que constituiu o local de pesquisa não conta com protocolo de atendimento diferenciado para mulheres (United, 2015).
O atendimento médico (clinico geral e psiquiatra) é o atendimento predominante, (39%) com destaque para o clínico geral, pois o serviço só teve o médico psiquiatra por um período de tempo determinado. Conforme Araújo e colaboradores (2012), o CAPS para usuários de álcool e outras drogas (CAPSad) destacasse pelo atendimento particularizado a pessoas que fazem uso sem controle dessas substâncias, realizando o acompanhamento clínico, reinserindo o usuário na sociedade e estimulando sua autonomia. Além de ter como estratégia de atenção a redução de danos, que visa minimizar os danos individuais e sociais causados pelo uso das substâncias psicoativas (SPA), e considera o usuário como ator principal de seu tratamento. Para Ribeiro e Fernandes (2013), existe certa dificuldade por parte de alguns profissionais em atuar com a demanda que busca tratamentos ofertados para os usuários de álcool e outras drogas, é bastante percebível quando se deparar com profissionais que, ao receberem pacientes que solicitam um tratamento de desintoxicação, encaminham-no diretamente para o psiquiatra a fim de que ele lhe prescreva os procedimentos e fármacos que serão utilizados para aliviar os sintomas de abstinência.
O segundo grupo profissional com maior contato com as usuárias foi a equipe de enfermagem (22%, N=321). Gonçalves e Tavares (2007), afirmam que os profissionais de enfermagem são fundamentais no processo da transformação social dos países, participando no desenho e na implantação de programas e projetos de promoção de saúde, prevenção do uso e abuso de álcool e outras drogas e integração social. A experiência com a atenção a usuários de álcool e drogas coloca o enfermeiro a frente de inúmeros desafios como: trabalhar numa perspectiva diferente daquela aprendida na formação acadêmica, altamente normativa e centrada na doença, enfrentar a sua própria ansiedade, insegurança, preconceito e até incapacidade para lidar com o usuário de álcool e drogas.
O atendimento com outros profissionais, como: assistente social, psicólogo e oficineiro ainda foi baixo de acordo com os registros (32%), revelando que as mulheres ainda encontram dificuldades em acessar o atendimento psicossocial. Conforme Oliveira (2014), é necessário oferecer um lugar onde possam ser atendidas em situação de risco e vulnerabilidade e também uma estrutura que possibilite atendimento e acomodação dos dois públicos específicos diferenciados (homens e mulheres).
De acordo com Santos e Freitas (2012), a assistência social passa a ter objetivos que vão para além da ajuda, que buscam garantir o atendimento real das necessidades dos cidadãos, e ainda como política pública que se articula a outras, em especial a saúde, tendo o papel fundamental a implementação de ações de prevenção ao uso de drogas.
O psicólogo prioriza a conduta psicoterapêutica e observa a disponibilidade da equipe para o trabalho e para as propostas da reabilitação psicossocial (ABUHAB et al., 2005). De acordo com Cardoso e Galera (2011), o tratamento psiquiátrico para muitas doenças mentais torna-se prolongado e marcado por consecutivas internações, principalmente no curso do tratamento das desordens mentais graves, tal como aqueles decorrentes do uso de substâncias. A garantia dos direitos básicos do doente mental, inclusive o de ter acesso aos melhores recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis, numa rede de serviços diversificada, adverte a necessidade de políticas específicas de desospitalização e reconhece a internação hospitalar como mais um dos recursos terapêuticos válidos, desde que de boa qualidade.
As usuárias tiveram um tempo médio de seguimento no serviço de 6 meses, sendo que as mesmas foram atendidas em média 12,10 vezes neste período, ou seja, aproximadamente duas vezes por mês. Araújo e colaboradores (2012), nos resultados encontrados em uma pesquisa sobre o perfil sociodemográfico e a adesão ao tratamento de dependentes do álcool em um CAPSad apontam a permanência média menor que seis meses para a faixa etária abaixo de 18 anos, e ainda, em um estudo comparando os perfis de pacientes que aderiram e que não aderiram a terapêutica em um CAPSad, foi analisado que o paciente com maior dificuldade em continuar com o tratamento são os jovens que fazem uso de drogas ilícitas com menos tempo de uso. Esse fato também foi verificado no estudo de (PEIXOTO et al, 2010).
Foi observado que apenas 16% (N=341) das mulheres tinham registro de participação em grupos de Oficinas Terapêuticas, fator que esteve associado a maior tempo de tratamento, em contrapartida (84%, N= 341) permaneceram menos de quatro meses no seguimento. Nos estudos de Araújo e colaboradores (2012), foi observado que 70,0% das usuárias que faziam parte do Grupo de Mulheres aderiram ao tratamento. A baixa prevalência do sexo feminino no tratamento de álcool e outras drogas pode ser justificada pelo preconceito dirigido a mulher que faz uso abusivo dessas substâncias.
Conforme Oliveira e colaboradores (2007), ainda existe uma tendência, de igualar os usuários de drogas como se todos pertencessem a uma mesma categoria social e devessem ser vistos a partir de um mesmo ponto de vista, dificultando as atividades assistenciais e preventivas que contemplem os distintos grupos de usuários em suas particularidades.
As mulheres iniciam o uso de drogas na adolescência e apresentaram prejuízos econômicos, sociais e danos à saúde relacionados à dependência química, demonstrando a necessidade de atenção integral à saúde pública. Adicionalmente, a decisão externa pela busca ao tratamento, bem como a predominância do atendimento clínico junto às mulheres retrata que elas têm dificuldades de receber o atendimento adequado a suas necessidades, em função de barreiras ainda existentes no serviço e outras estruturas sociopolíticas relacionadas. A investigação e abordagem destas barreiras, em suas diversas estruturas (socioculturais, políticas e programáticas), têm o potencial de ampliar a equidade de acesso a cuidados em saúde mental junto a mulheres que fazem uso prejudicial de drogas.
Algumas limitações foram identificadas neste estudo, por tratar-se de estudo a partir dos registros documentados de atendimento no prontuário, sem cobertura de questões profundas relacionadas ao atendimento de mulheres neste serviço, os resultados encontrados também indicam a necessidade de melhoria nas anotações dos profissionais nos prontuários, em virtude do sub-registro de dados importantes, podendo prejudicar a elaboração do projeto terapêutico.
Faz-se necessário, aprofundar na investigação referente ao atendimento das necessidades de mulheres que fazem uso de álcool, crack e outras drogas no cuidado prestado em serviços públicos nesta área, bem como a construção de uma abordagem de cuidado que responda às singularidades destas mulheres no âmbito destes serviços.
Conflitos de interesse: Os autores Auricélia Bezerra de Menezes Silva; Maria Darlene Araújo de Azevedo; Rozilaine Redi Lago; Pâmera Katrinny Nascimento Silva e Orivaldo Florêncio de Souza não possuem conflitos de interesse.
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** Doutora em Ciências. Docente da Universidade Federal do Acre. Centro de Ciências da Saúde e do Desporto / rozilainee@gmail.com;
*** Bacharel em Saúde coletivas pela Universidade Federal do Acre / auricelha23@hotmail.com;
**** Doutor em Biotecnologia e Biodiversidade. Docente do Instituto Federal do Acre / jose.azevedo@ifac.edu.br.
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Este artículo es editado por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.