Raynon Joel Monteiro Alves
Ana Lúcia Nunes Gutjahr
Jhon Anderson do Espirito Santo Silva
Universidade do Estado do Pará
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RESUMO
O presente trabalho objetivou caracterizar a pesca artesanal desenvolvida por pescadores na cidade de Marapanim, Pará, Brasil, considerando o perfil socioeconômico dos pescadores, a estrutura tecnológica e de produção da pesca e também a cadeia produtiva pesqueira. Os dados para o estudo foram obtidos por meio de questionários aplicados a 30 pescadores que frequentavam o Porto do Bugário. As informações sobre a cadeia produtiva e a comercialização do pescado no Mercado municipal de Marapanim foram concedidas pelos marreteiros do pescado e pelo administrador do estabelecimento. Com este estudo identificou-se que os pescadores são em grande parte adultos e idosos, com ensino fundamental incompleto e possuem um salário mínimo como renda familiar mensal, sem outra fonte de renda, sendo pescador por não ter possibilidade de ter outra profissão. A malhadeira é o instrumento de pesca mais usado entre eles, assim como a rabeta é o principal meio de transporte. A produção de pescado é bastante variada, sendo a cadeia produtiva pesqueira composta pelos pescadores artesanais, atravessadores/marreteiros e consumidores. O marreteiro é o responsável pela venda no Mercado da cidade, seguindo a tabela de preços. Propõe-se como melhorias ao setor pesqueiro: a atuação intensiva dos órgãos competentes para minimizar a pesca predatória na região e medidas educativas, a implantação da cooperativa dos pescadores para agregar valor ao produto da atividade pesqueira e o acesso facilitado às linhas de crédito para custeio e financiamento para aquisição dos materiais pesqueiros.
Palavras-chave: Perfil socioeconômico, cadeia produtiva pesqueira, comercialização do pescado, Amazônia.
ABSTRACT
This study aimed to characterize artisanal fisheries developed by fishermen in the town of Marapanim, Pará, Brazil, considering the socioeconomic profile of fishermen, technological structure, fish production and fish commodity chain. Data for the study were obtained through questionnaires conducted with 30 fishermen who frequented the port Bugário. Information on the commodity chain in the municipal market of Marapanim were offered by fish street vendors and the administrator of the municipal market facility. This study identified that the fishermen are mainly elderly adults, with incomplete primary education and a minimum wage as family income, with no other source of income, and being fisherman for not having choice for another profession. The fishing net is the most used fishing tool, and a small motor driven boat represents the main means of transport. The fish production is quite varied, and the fish commodity chain is composed by artisanal fishermen, middlemen/street vendors and consumers. The street vendors are responsible for sales in the city market, following the price list. Following improvements to the fishing sector are proposed: to intensify activities of the competent government authorities to minimize overfishing in the region together with educational measures, the implementation of a fishermen cooperative in order to add value to the fishing activity, to ease access to credit lines for working capital and financing for acquisition of fishing tools.
Keywords: Socio-economics profile, fishery commodity chain, fish marketing, Amazon.
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Raynon Joel Monteiro Alves, Ana Lúcia Nunes Gutjahr y Jhon Anderson do Espirito Santo Silva (2015): “Caracterização socioeconômica e produtiva da pesca artesanal no município de Marapanim, Pará, Brasil”, Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, Brasil, (julio 2015). En línea: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/15/pesca-artesanal.html
1. Introdução
A pesca na Amazônia, em particular na região norte do Estado do Pará, é uma das atividades extrativistas mais tradicionais e importantes, pois se destaca pela existência de ampla diversidade de espécies aquáticas, multitécnicas e estratégias de captura, grande quantidade de pescado e dependência da população tradicional a esta atividade, cuja produção se destina à subsistência humana e ao abastecimento de centros urbanos (FURTADO, 1993; FREITAS & RIVAS, 2006; BORCEM et al., 2011, SILVA et al., 2012).
Neste contexto, o município de Marapanim, juntamente com os demais que compõem a região do Salgado Paraense, contribui com cerca de um quarto da produção estadual de pescado (SANTOS, 2004). Além disso, a pesca carrega forte tradição familiar e desempenha papel importante na ocupação de mão de obra local e na produção de alimentos, sendo direcionada ao autoconsumo e à comercialização. A renda gerada nesta atividade é empregada na subsistência dos pescadores e contribui para o fluxo de capital no município.
Na região predomina a pesca artesanal, definida como atividade comercial efetivada pelo pescador profissional que trabalha de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte (BRASIL, 2009). Estes apetrechos de pesca são diversos e usados conforme a intenção do pescador seja para maior captura de espécies aquáticas seja para seleção de determinada espécie. A atividade pesqueira é tida como prioridade, embora o pescador, em geral, desenvolva outras atividades para acréscimo da renda mensal do grupo familiar (FURTADO, 1993; MONTELES et al., 2010).
A pesca artesanal no município de Marapanim foi alvo de poucos estudos realizados durante as décadas de 1980 e 1990, destacam-se os trabalhos de Furtado (1987) e Moreira (1993). Pelo exposto, faz-se necessário realizar um estudo atual sobre os aspectos que emanam desta atividade de suma importância socioeconômica para o município, tanto para enriquecer as pesquisas nas regiões litorâneas do estado do Pará, quanto para subsidiar a gestão do setor pesqueiro.
Neste contexto, Borcem et al. (2011) caracterizou a atividade pesqueira, considerando as comunidades interioranas, abordando os produtos explorados, as artes e as embarcações de pesca e o levantamento socioeconômico dos pescadores. Por tais razões, este estudo teve como diferencial caracterizar a pesca artesanal desenvolvida por pescadores artesanais da sede administrativa do município de Marapanim, abordando os aspectos socioeconômicos, a metodologia de trabalho destes pescadores, as principais espécies de peixes capturadas e comercializadas no Mercado da cidade e a cadeia produtiva pesqueira na região.
2. Material e Métodos
2.1. Área de estudo
O município de Marapanim tem limites com as águas oceânicas da baía de Marapanim, rio que lhe confere o nome, e com as terras dos municípios de Curuçá, Maracanã, Magalhães Barata e são Francisco do Pará. A sede está localizada à margem esquerda do rio homônimo (0° 43’52” S e 47° 41’54” W) e a 150 km, aproximadamente, da capital - Belém (FURTADO, 1987) (Figura 1).
Este município é composto por duas regiões distintas: a praiana e a da água doce, cada uma apresenta um ator social relacionado à pesca: de um lado, o pescador artesanal, do outro, o pescador-lavrador (CASTRO, 1998). Nesta primeira região, situada às margens litorâneas, localizam-se a sede administrativa do município (alvo deste estudo) e as comunidades pesqueiras, enquanto que na região da água doce, em razão dos mananciais dulcícolas, encontram-se os agricultores, que em geral desempenham a pesca como atividade secundária.
2.2. Coleta de dados
O procedimento de coleta de dados consistiu na aplicação de questionários estruturados que contemplavam à socioeconomia dos pescadores (idade, escolaridade, renda mensal familiar, fontes geradoras de renda, tempo de serviço, motivo de ser pescador, assistência do poder público) e a caracterização tecnológica e produtiva da pesca (técnicas de pescaria e meios de transporte, os principais peixes capturados, o destino da produção, dificuldades do ofício) a 30 pescadores artesanais. Estes foram eleitos de acordo com a chegada ao Porto do Bugário, localizado na zona urbana, levando em consideração horários estratégicos, ou seja, o fluxo e refluxo da maré.
Quanto às informações de quantificação e valor do pescado comercializado no Mercado Municipal, estas foram adquiridas junto à administração do estabelecimento. As planilhas de dados mensais compreenderam o período de julho de 2012 a junho de 2013. Para a caracterização da cadeia produtiva pesqueira em Marapanim, consideraram-se as informações verbais de marreteiros que trabalham no mercado da cidade e dos próprios pescadores entrevistados.
2.3. Análise de dados
Os dados quantitativos foram organizados em planilhas do programa computacional Excel 2010, sendo utilizada a estatística descritiva para a análise e subsidiar a produção de gráficos e tabelas. Outras informações foram analisadas qualitativamente.
3. Resultados e Discussão
3.1. Perfil socioeconômico
Os resultados deste estudo mostraram que entre os pescadores entrevistados, a maioria, 11(37,0%), encontra-se na faixa etária de 51 a 60 anos e a minoria, 2 (7,0%), possui de 71 e 80 anos, enquanto que os mais jovens, 4 (13,0%), encontram-se na faixa etária de 20 a 30 anos (Figura 2 A). Este resultado evidencia que grande parte dos pescadores possui mais de 50 anos, evidenciando que a pesca artesanal em Marapanim, atualmente parece despertar pouco interesse entre os jovens, visto que 26 (87,0%) pescadores correspondem à faixa etária de 31 a 80 anos. Essa informação é importante, pois parece indicar que a pesca artesanal passou a ser considerada um trabalho secundário, realizada por pessoas com idade mais avançada. O predomínio de pessoas adultas e/ou idosas na pesca artesanal também foi observado em outros estudos em diferentes regiões do Brasil (HARAYASHIKI et al., 2011;OLIVEIRA et al., 2011;SANTOS et al., 2014).
Quanto a isso, pode-se inferir que o acesso facilitado à escola nos dias atuais tenha influenciado os jovens a buscar melhores condições de vida por meio de uma profissão melhor remunerada, pois a escola parece influencia diretamente nos papéis sociais dos grupos de pescadores, nas relações familiares, e tem contribuído para que os jovens busquem atividades mais rentáveis, além de que o incentivo dado pelos pais ao estudo tem grande valia para que estes indivíduos busquem novos horizontes, afastando-se do ambiente pesqueiro (MOREIRA, 1993; BORCEM et al., 2011).
Sobre o grau de instrução dos pescadores entrevistados observou-se que a maioria destes apresenta baixa escolaridade, sendo que 15 (50,0%) não concluíram o ensino fundamental, 4 (13,0%) foram desistentes do ensino médio e 5 (17,0%) não foram formalmente alfabetizados (Figura 2 B). O baixo grau de instrução de pescadores artesanais também foi notório em estudos afins (MARUYAMA et al., 2009; LIMA et al., 2012; RAMIRES et al., 2012). Em geral, pode-se frisar que a faixa etária compreendida entre a infância e adolescência destes pescadores remete a tempos em que o acesso à escola formal era mais difícil, além da incompatibilidade de horário entre o trabalho e o estudo, bem como o elevado esforço físico do serviço que os desmotivam a estudar, culminando em elevadas taxas de evasão escolar (SANTOS et al., 2005; BORCEM et al., 2011).
Neste sentido, predominantemente estes pescadores não possui escolaridade suficiente para ingressar no mercado formal de trabalho, visto que para 14 (33,0%) dos pescadores (Figura 2 C), a pesca é a única alternativa de trabalho, pois estes procedem do processo educacional de tempos remotos e inevitavelmente optaram pela pesca por não possuir outro tipo de qualificação profissional (ANJOS et al., 2004). Em sequência, 12 (28,0%) são pescadores em virtude da influência familiar, sendo a pesca artesanal considerada uma herança paterna, em que a metodologia do ofício e os conhecimentos empíricos sobre esta foram repassados às gerações seguintes. Em suma, a pesca artesanal tem início na infância, cujos ensinamentos sobre a atividade são repassados de pai para filho com intuito de que seus descendentes dê continuidade à profissão paterna (GARCEZ & SHANCHEZ-BOTERO, 2005).
Tratando-se, em particular, da influência familiar como razão de ser hoje pescador, esta pode ser corroborada ao considerar que em 16 (53,0%) dos casos a prática da pesca teve início na infância para contribuir com a subsistência da família e 8 (27,0%) pescadores efetivaram a pesca na adolescência também sobre influência familiar, enquanto que 6 (20,0%) somente a partir da fase adulta, principalmente, por falta de oportunidades de trabalho externas ao setor pesqueiro, em consequência da baixa escolaridade.
Em relação à renda familiar mensal destes pescadores com base na comercialização do pescado, verificou-se que 15 (50,0%) deles obtêm um salário mínimo, 11 (37,0%) adquirem abaixo de um salário, 3 (10,0%) obtêm dois salários e somente 1 (3,0%), três salários mínimos mensalmente (Figura 2 D), quando associados aos membros da família que possuem renda. Deste modo, entende-se que o lucro da comercialização do pescado é bastante variável, podendo ser considerável para alguns e insuficiente para outros.
Dentre estes pescadores, verificou-se que 20 (67,0%) não possuem fonte secundária de obtenção de renda e 10 (33,0%) desenvolvem paralelamente outros ofícios, fora do âmbito da pesca, como por exemplo: servidor público, pintor e lavrador, ou são beneficiados pela aposentadoria, o que garante maior renda. Estas atividades adicionais são importantes como complementação de renda para subsidiar as famílias às mínimas condições de sobrevivência e garantir um nível de consumo socialmente aceitável, além de financiar a atuação na atividade pesqueira (ANJOS et al., 2004; SANTOS, 2005; CAPELLESSO & CAZELLA, 2011). Neste sentido, entende-se que o lucro da comercialização do pescado, na maioria das vezes, não assegura estabilidade financeira para o pescador artesanal e sua família, impedindo-os de suprirem as necessidades básicas de consumo e manutenção dos aparatos de pesca.
Quanto ao apoio governamental constatou-se que nenhum destes pescadores recebe auxílio do governo em financiamentos para a compra de instrumentos pesqueiros, tampouco participam de programas ou projetos governamentais que propiciem melhores condições de trabalho e informação aos pescadores. Destaca-se que no período do Defeso, por exemplo, a pesca continua normalmente, pois a lei não é validada no município, visto que o órgão federal responsável declara que a região é banhada por mar aberto, segundo as informações do Presidente da Colônia dos pescadores da região. Desta forma, os pescadores artesanais que deveriam ser amparados com o recebimento do seguro defeso durante quatro meses juntamente com a expectativa de obter a aposentadoria decorrente do exercício da atividade geralmente veem-se obrigados a continuar pescando em desrespeito ao período de reprodução das espécies estuarinas, acarretando na diminuição da produtividade natural dos recursos ictiológicos (ANJOS et. al., 2004).
Essa discussão atrela-se a Colônia dos Pescadores Z-6 de Marapanim que, na sua essência, tem por finalidade defender os direitos da categoria pesqueira e atender aos interesses vigentes da mesma. No entanto, os pescadores da região, em sua maioria, são filiados à entidade, exclusivamente tendo em vista o título de pescador artesanal profissionalpor meio de uma série de documentos para, futuramente ter a possibilidade de recorrer ao processo de aposentadoria. Isto não ocorre, dentre os pescadores entrevistados, pois outrora tentaram obter financiamento ou benefícios (auxílio doença, por exemplo), mas a tentativa foi frustrada, culminando em seu afastamento do referido órgão social.
De modo geral, as atitudes e omissões dos administradores da Colônia dos Pescadores causam o descontentamento na classe dos pequenos produtores, o que descaracteriza o verdadeiro papel da associação em prol dos pescadores (FURTADO, 1993). No caso da Colônia dos Pescadores Z-6 de Marapanim, em conversa informal com o líder, verificou-se que as frustrações ocorrem em virtude da falta de interesse de seus associados que não se regularizam legalmente, enquanto categoria. Alguns filiados são comprometidos em pagar, mas as inadimplências são frequentes, pois, segundo alguns entrevistados, não há nenhum retorno do investimento por meio de financiamento e de projetos governamentais.
Sendo assim, acredita-se que o nível de organização e de integração social da classe de pescadores artesanais não estão devidamente articulados para legitimar os anseios da categoria trabalhista em relação às linhas de financiamento, assistência técnica, infraestrutura, bem como a ausência de entidades governamentais atuantes correlatas ao setor pesqueiro no município (SANTOS et al., 2005, BORCEM et al., 2011). De certa forma, esses impasses constituem fatores limitantes para o desenvolvimento da pesca artesanal em Marapanim.
3.2. Caracterização da estrutura tecnológica e produtiva
Com relação às práticas de pesca mais comuns entre os pescadores entrevistados, observou-se que 24 (56,0%) destes fazem uso de redes (malhadeiras) e 19 (44,0%) atem-se aos instrumentos ditos tradicionais (Figura 3 A). Estes modos de pescar são resultantes da influência dos grupos primitivos que habitavam a Amazônia e àqueles incorporados a partir da convivência portuguesa na região, pois, a diversidade de artes de pesca decorre da adequação de equipamentos pesqueiros às várias espécies-alvo (FURTADO, 1993; CAPELLESSO & CAZELLA, 2011).
Em geral, nas comunidades de pescadores de pequena escala, a pesca é realizada artesanalmente, utilizando técnicas e instrumentos rudimentares, o que resulta em uma produção também de pequena escala (SILVA et al., 2011; BORCEM et al., 2011), porém nota-se que em Marapanim e, de modo particular, no grupo de pescadores estudado, as redes malhadeiras vêm sendo incorporadas ao cotidiano destes trabalhadores. Estes apetrechos de pesca são estruturados por uma extensa rede tecida com linhas de nylon, com malhas que variam em tamanho e espessura de fios, dependendo da especificidade (tamanho) do peixe, que garantem maior eficiência de captura e otimização da produção pesqueira. Entretanto, o curral, confeccionado com peças de madeira e fixado às margens litorâneas, é bastante empregado na região, tendo o objetivo de aprisionar os peixes durante a enchente da maré para posterior despesca, com a maré baixa. As técnicas do anzol e espinhel também são utilizadas, porém, são pouco frequentes. Esta última consiste no uso de uma linha de nylon, amarrada entre dois pontos do corpo d’água, que contém inúmeros anzóis com iscas ao longo de sua extensão.
Em síntese, o pescador artesanal faz uso de instrumentos simples e tradicionais, geralmente confeccionados por si próprio, com produtos naturais e recentemente materiais industrializados, possuindo características bem específicas de acordo com suas finalidades e com as espécies de interesse. Isto decorre da necessidade da atividade pesqueira ser desenvolvida ao longo do ano, em decorrência do caráter sazonal de disponibilidade das espécies capturadas e da necessidade de regularidade para a subsistência do pescador (MOREIRA, 1993; SANTOS, 2005; SANTOS et al., 2014).
Quanto aos tipos de embarcações utilizados, verificou-se que 19 (61,0%) pescadores fazem uso de rabetas, 7 (26,0%) utilizam a canoa a remo e apenas 4 (13,0%) utilizam o barco a motor (Figura 3 B). Em sua maioria, dois ou mais pescadores trabalham em companhia em uma canoa, popularmente conhecida por montaria, com propulsão motorizada denominada de rabeta. Em outros casos, esta é conduzida a remo. Em outras situações, a turma de pesca trabalha em conjunto, em embarcações a motor denominadas lanchas. Neste sentido, infere-se que a frequência do uso da rabeta por grande parte desses pescadores se deve à vantagem de deslocamentos mais rápidos por meio de propulsão motorizada, além de que o esforço físico do ato de remar é poupado, principalmente ao enfrentar as maresias. Quanto a isso, o único esforço do pescador consiste apenas em aderir o motor à canoa ao iniciar a pescaria e ao término da mesma, retirá-lo. O motor de centro a óleo diesel e similares é considerado um sinal de modernização da região e representa o maior avanço tecnológico no setor pesqueiro (FURTADO, 1993).
Do mesmo modo, verificou-se que alguns pescadores utilizam a canoa a remo por não ter recursos financeiros suficientes para comprar o motor. Entretanto, outros, preferem pescar do jeito tradicional, sendo estes menos envolvidos com a comercialização do pescado capturado, comparado aos que utilizam os meios de produção ditos modernos. Dentre os entrevistados, constatou-se que 18 (60,0%) deles são os próprios proprietários das embarcações e 12 (40,0%) não detêm posse sobre estas. Neste último caso, as parcerias de pesca são compostas a partir de relações de parentesco e amizade vinculadas ao dono da embarcação. Em geral, proprietários e parceiros dedicam seu tempo tanto à pesca quanto ao preparo e reparo de seus materiais pesqueiros. Nesse contexto, pode-se admitir que as linhas de financiamento poderiam ser o apoio necessário para melhores condições de infraestrutura e autonomia dos pescadores.
Em relação às espécies de peixes capturadas com maior frequência apontadas pelos pescadores entrevistados (Tabela 1), a distribuição deste pescado é bastante variável, isto é, há espécies como: banderado e bagre, que mantêm uma frequência visivelmente constante durante o ano todo, outras, entretanto acentuam-se em período de safra, tais como: a dourada e a pescada gó. Quanto à comercialização do produto da pesca determinou-se que a maioria dos pescadores entrevistados, 26 (87,0%), destina exclusivamente o pescado ao atravessador (Figura 3 C), enquanto que 2 (6,0%) vendem exclusivamente aos consumidores que de antemão encomendaram o pescado ou àqueles que aguardam nos portos. A venda do pescado ainda no rio configura uma venda rápida e imediata, muitas vezes devido à distância do mercado municipal ou ponto comercial, e por não ter um público no local que absorva a demanda de pescado disponível (BORCEM et al., 2011; FOSCHIERA & PEREIRA, 2014).
Neste aspecto, frisa-se que nenhum dos entrevistados vinculou o produto da pescaria ao autoconsumo, embora se subtenda que os pescadores têm direito à retirada de uma quantidade de peixe, regionalmente chamada de “quinhão de bóia”, que se destina à sua própria dieta alimentar e de sua família. O lucro obtido pelos pescadores por meio da venda do pescado é usado para a compra de outras mercadorias (FURTADO, 1993).
Em relação às principais dificuldades enfrentadas por estes pescadores no momento da pescaria, 17 (40,0%) entrevistados as associaram ao clima (chuvas, sol com intensidade muito forte e a ventania), 13 (31,0%) afirmaram ser a escassez de peixe na região, 5 (12,0%) mencionaram a venda não lucrativa aos atravessadores, 3 (7,0%) alegaram a falta de materiais necessários para a pesca, 2 (5,0%) declararam como problema a força física que a atividade exige e 2 (5,0%), a falta de fiscalização (Figura 3 D). Particularizando a escassez de peixes, este fato pode ser resultado das diferentes formas de pesca na região, principalmente industrial e artesanal, que exploram intensivamente os mananciais aquáticos, interferindo diretamente na produção do pequeno pescador, que por suas características, possui pouca mobilidade (FOSCHIERA & PEREIRA, 2014). Quanto a isso, os pescadores entrevistados mencionaram que o modelo industrial de pesca, por utilizar grandes redes de arrasto capturam enorme quantidade de peixes no oceano, o que impossibilita que estes cheguem até os rios locais, onde a pesca artesanal é praticada. Além disso, o ato predatório da fauna ictiológica pode ser resultante do crescimento populacional na região, cujos indivíduos para superarem as necessidades de autoconsumo e de mercado tendem a explorar ao máximo os recursos disponíveis nos mananciais aquáticos (FURTADO, 1987).
3.3. Cadeia produtiva pesqueira no centro comercial de Marapanim
Habitualmente em toda comunidade pesqueira existe a presença de agentes intermediários entre a produção e o consumo de pescado, isso porque, este processo envolve a mobilização de determinados segmentos de uma cadeia produtiva. Em Marapanim, limitando-se à região praiana, tal processo compreende o pescador artesanal como produtor, os atravessadores e marreteiros que são os agentes comerciais que fazem escoar a produção do pescado até às mãos do consumidor final.
Quanto aos intermediários, ressalta-se que podem ser: o atravessador, aquele que compra o pescado dos pescadores, revendendo-o conseguinte ao marreteiro (peixeiro), o qual comercializa o pescado diretamente no mercado municipal. Nesta perspectiva, esses agentes são importantes para o desempenho da cadeia produtiva pesqueira, pois agregam as pequenas quantidades individuais produzidas pelos pescadores artesanais e estabelecem o elo entre a produção e o consumo (SANTOS, 2005).
O atravessador pode ser natural do município e transporta (“atravessa”) a produção pesqueira das áreas interioranas da região (Tamaruteua, Camará, Vista Alegre) para a sede do município, ou pode ser oriundo de outras localidades (Vigia, Abade) e escoar o pescado de seus conterrâneos para o centro comercial de Marapanim. Em suma, destaca-se que a existência do intermediário, seja ele conterrâneo ou de outro local, é um fator determinante para o escoamento do produto pesqueiro por meio da comercialização (GARCEZ & SHANCHEZ-BOTERO, 2005).
Ressalta-se que a exportação de pescado para outros mercados, que ocorria anteriormente com frequência acontece hoje, em pequena escala, e somente em períodos de safra, pois a produção já não atende mais a demanda local e externa. Por esta razão, observa-se que ocorre a importação de peixes de outros centros comerciais pesqueiros, para que Marapanim seja abastecida.
Entre os pescadores artesanais, geralmente os atravessadores são considerados agentes exploradores, que visam o lucro sobre suas forças de trabalho. Isso se deve ao fato de que o intermediário impõe o valor do pescado a ser comprado, para posteriormente vendê-lo no mercado ou em outros pontos a preços relativamente maiores. Dessa forma, o pescador durante a venda, fica sempre a mercê do intermediário, que visa o próprio lucro e impõe o preço que achar conveniente sobre o produto (FURTADO, 1987). Esta intermediação pode ser considerada um mal necessário, pois o pescador cede aos argumentos dos intermediários por uma série de razões, tais como: o cansaço decorrente das muitas horas de trabalho, o dinheiro imediato referente à compra dos peixes pelo atravessador e a venda rápida do pescado ao intermediário.
Em relação aos marreteiros, observou-se que estes são os responsáveis pela venda do pescado no Mercado Municipal da cidade, obedecendo à tabela de preço do estabelecimento, definida pela Prefeitura Municipal. O valor das espécies de peixes comercializadas é variável, assim como o fluxo do pescado que é bastante instável e determina o valor arrecado mensalmente.
Com base nos dados analisados, verificou-se que no mês de julho de 2012 o valor apurado foi atípico em relação aos outros meses (R$ 356.461.00) (Tabela 2), visto que se trata de mês de veraneio (férias escolares) quando o município tem um maior aporte de veranistas. A situação se repete, embora em menor escala, nos meses de dezembro/janeiro e março, respectivamente, durante as festas de fim de ano (recesso escolar) e Semana Santa.
Nos meses atípicos ocorre a entrada de pescado de outros setores pesqueiros pelos atravessadores de outros municípios, como Abade e Vigia, ou pelos das zonas pesqueiras interioranas do município, como: Sauá e Tamaruteua, Camará e Marudá. Nota-se que a produção local de pescado não supre as necessidades do mercado consumidor quando este se intensifica, com exceção nos períodos de safra que, quando inclusive, faz-se a exportação para outros centros urbanos.
O extremo da cadeia produtiva do pescado marapaniense é o mercado consumidor, o qual é o agente motivador da expansão comercial pesqueira, e do qual emana o estímulo para o desempenho dos demais atores sociais envolvidos na referida cadeia. O consumidor, sem restrição, pode adquirir o pescado no mercado municipal da cidade, peixarias, no próprio porto de desembarque e em alguns casos, sob a forma de pratos prontos em restaurantes e hotéis do município.
4. Considerações finais
O grupo de pescadores, alvo do estudo, apresenta, em sua maioria, indivíduos adultos e idosos, com baixo grau de instrução, que se tornaram adeptos à profissão por ser, para eles, a única alternativa de trabalho na região. Com a pesca conseguem adquirir a renda mensal familiar de um salário mínimo somente com a comercialização do pescado. Além disso, nenhum é sócio da Colônia de Pescadores do município e não recebem ajuda financeira do governo.
A metodologia de pesca destes pescadores é mesclada por aparatos clássicos (tradicionais) e por tecnologias mais atuais, que garantem maior produção de pescado, a fim de satisfazer aos interesses comerciais. A produção pesqueira é composta por espécies frequentes, como: banderado e o bagre, e por espécies de épocas de safra, tais como: a dourada e a pescada gó. Em geral, os pescadores de Marapanim são proprietários de seus instrumentos de trabalho e maior parte da produção é destinada ao atravessador.
A cadeia produtiva pesqueira local apresenta três segmentos: pescadores artesanais, atravessadores/marreteiros e consumidores. O processo de comercialização do pescado ao consumidor ocorre no mercado municipal da cidade pelo marreteiro, seguindo a tabela de preços fixada por esse estabelecimento, de acordo com as tarifas propostas pela prefeitura de Marapanim. O fluxo da produção e sua comercialização é maior, principalmente, durante o mês de veraneio.
Para controlar a pesca predatória na região, sugere-se a ação intensiva dos órgãos que atuam na regulação e fiscalização do setor pesqueiro, além de medidas educativas entre os pescadores. Para amenizar o conflito entre os pescadores e intermediário, propõe-se a criação da cooperativa dos pescadores de Marapanim. Por meio desta, o grupo familiar poderá desenvolver trabalhos específicos para agregar valor ao pescado, ter acesso facilitado às linhas de crédito para custeios e financiamentos e a fim de proporcionar a organização social poderá ter como mediadora a Colônia dos Pescadores Z-6 de Marapanim e outros órgãos públicos, para proporcionar o bom desempenho da atividade pesqueira na região.
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