Revista académica de economía
con
el Número Internacional Normalizado de
Publicaciones Seriadas ISSN
1696-8352
Marcimiana de Oliveira Silva
Francivaldo Alves Nunes
maxshistoria@bol.com.br
RESUMO:
A criação de aldeamentos indígenas no século XIX foi um assunto bastante discutido por intelectuais e por políticos da época, principalmente pela possível utilidade desses espaços para o desenvolvimento social e econômico do Império. Este texto procura destacar as questões que envolviam estes debates e que estavam associadas a necessidade de aproveitamento da mão-de-obra indígenas e controle sobre as populações indígenas a partir da criação de aldeamentos na província do Pará, Norte do Brasil. Para isso analisamos os discursos materializados em relatórios da presidência da provincia e nos anais da Câmara dos Deputados. Esta documentação nos permitiu compreender os diferentes interesses que envolviam a utilização do trabalho indígena, quanto a atividade da lavoura, assim como a relação entre o controle dos índios e a implantação de aldeamentos.
Palavras-chave: Aldeamentos; Moralização; Pará; Século XIX.
ABSTRACT:
The creation of indigenous settlements in the nineteenth century was a subject frequently discussed by intellectuals and politicians of the time, especially by the possible usefulness of these spaces for social and economic development of the Empire. This paper seeks to highlight issues involving these debates and that were associated with the need to use hand labor and indigenous control of indigenous peoples from the establishment of settlements in the province of Pará, Northern Brazil. For this we analyze the discourses materialized in reports by the Presidency of the province and in the annals of the House of Representatives. This documentation allowed us to understand the different interests that involved the use of indigenous labor, and the activity of farming, as well as the relationship between the control of the indians and the establishment of settlements.
Keywords: Village; Moralization; Pará; Nineteenth century.
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de Oliveira Silva, M. y Alves Nunes, F.: "Arregimentar mão-de-obra e moralizar a população: agentes públicos proposições sobre os aldeamentos no Pará (décadas, 1840-60)", en Observatorio de la Economía Latinoamericana, Número 201, 2014. Texto completo en http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/14/aldeamentos.hmtl
INTRODUÇÃO
Quando os colonizadores portugueses chegaram ao que posteriormente seria chamado de Brasil encontraram povos que habitavam boa parte do território, os índios. De acordo com Mércio Pereira Gomes (1998), em estudo sobre as políticas indigenistas nos tempos coloniais, a principal solução para tornar os “índios mansos”, ou seja, que não oferecessem dificuldades à ocupação das terras brasileiras seriam os aldeamentos. A proposta era catequisar como forma de propagação da fé católica sem perder de vista a necessidade de desenvolver as atividades econômicas, a exemplo do extrativismo para o caso da Amazônia.
Outro historiador, John Monteiro (2001), revela que no Brasil Império os discursos e as preocupações em torno da colonização indígena “mudam” consideravelmente, quando se refere ao aproveitamento das populações indígenas. Agora o indígena passa a ser pensado como parte de um passado comum da identidade nacional. Nesse sentido, as colônias indígenas são interpretadas como espaços em que os índios pudessem ser civilizados para que posteriormente fossem inseridos na sociedade, como parte da formação da população brasileira.
As questões apontadas por Mércio Gomes e John Monteiro, embora trabalhando períodos diferentes, nos permitem compreender o dilema sobre quais os propósitos dos aldeamentos no século XIX. Deviam seguir os caminhos já delineados no período colonial, ou seja, constituir espaços de catequização e propagação da fé católica, para um posterior aproveitamento do trabalho indígena, ou seguir as necessidades mais urgentes do período imperial, no caso, partir para ações que se voltasse para o uso da mão-de-obra dos índios, principalmente na atividade agrícola.
Para Amazônia, uma primeira questão que parecer envolver a implantação dos aldeamentos no século XIX é a necessidade de arregimentação de mão-de-obra para o trabalho agrícola. Neste caso, nos aproximamos de análises que pensam o modelo de colônias indígenas como forma de controle da floresta, de seus recursos e de seus próprios habitantes, agregando à agricultura um poder simbólico de uma atividade capaz de moralizar a população (NUNES, 2011).
Considerando os aldeamentos como estratégias de arregimentação de mão-de-obra para o trabalho agrícola e como possibilidade de moralizar a população amazônica faremos uso de documentos produzidos por agente públicos como os relatórios de administração do governo imperial, do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas e relatórios do Ministério dos Negócios do Império. Esses relatórios eram debatidos na Assembleia Geral, sendo que nesse momento representava um espaço de registro de propostas e manifestos sobre esse assunto. Estaremos atentos ainda alguns escritos publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (RIHGB).
Nossa intenção é ainda fazer uma analise do contexto histórico das colônias indígenas da região, bem como identificarmos quais as principais opiniões a respeito dessas colônias e os sujeitos envolvidos com essas questões na Amazônia do século XIX entre as décadas de 1840 a 1860, tendo em vista de que é dentro desse período que o governo imperial cria o Regulamento das Missões de Catequese e Civilização dos índios (1845) e a Lei de Terras (1850) que foram importantes ferramentas para a legitimação desses projetos coloniais e dos discursos que se referiam a eles.
Apontamentos gerais dos diálogos históricos e historiográficos
Segundo Vânia Maria Losada Moreira (2009, p. 2) a tentativa de tornar o “índio bravo” como parte constituinte da população foi discutida desde o período colonial pelas politicas pombalinas, e quando se fala em politicas indigenistas do século XIX não tem como não lembrar o plano de José Bonifácio de Andrade e Silva chamado de Apontamentos para a Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil. Neste estudo, José Bonifácio defende um projeto de nação em que estava ligado à incorporação de parte dos índios “bravos”. Para Vânia Moreira (2009, p. 2) tratava-se de uma atitude vinculada à concepção iluminista que via nessa população uma capacidade de "evolução". Nesse sentido, José Bonifácio acreditava que os indígenas pudessem ser civilizados e propunha uma serie de alternativas que resumidamente estavam associadas a “educação, trabalho, comércio, convívio com os brancos por métodos brandos”.
Diante desta questão, os aldeamentos durante o Império surgem como uma resposta aos problemas enfrentados pelo Diretório dos Índios, principalmente a exploração que os diretores estabeleciam em relação ao trabalho indígena. A conclusão de Vânia Monteiro se resume a associar todo o debate em torno dos aldeamentos construídos do século XIX como desdobramento do plano de José Bonifácio de transformar em cidadão os indígenas, principalmente os considerados “bravos”.
Núbia Braga Ribeiro (2009, p. 137), no entanto, aponta outras questões que envolviam a implantação dos aldeamentos, que iam além de um plano de civilização dos índios, mesmo quando se discutia o período colonial. Nesse caso, a criação das colônias indígenas servia como tutela do Estado sobre os índios para à dominação e o controle da vida e do cotidiano dessas populações.
Como podemos observar, a catequese e civilização dos indígenas serviam para três principais objetivos que não necessariamente estariam juntos, mais que nortearam os interesses da sociedade política e letrada do Império que são: população trabalho, riqueza e terras. Tratava-se, portanto, de utilizar o trabalho indígena como forma de aumentar as rendas públicas e assegurar a posse e ocupação da terra, bem como um crescimento populacional considerável já que existiam mais 300 mil índios no território essas questões foram evidenciadas no século XIX, nos estudos de Kaori Kodama (2009).
De acordo com este autor, apesar da falta de dados sobre a quantidade exata de índios selvagens, esses foram apontados estatisticamente, pois serviriam para delimitar as fronteiras do território como possíveis sujeitos sociais. Nesse sentido havia uma preocupação por parte de algumas autoridades da necessidade de se criar políticas que almejassem civilizar, catequisar e colonizar os índios, porém deviam distinguir e saber quais eram as prioridades, isso porque existiam lugares como Pará e Rio Negro (atual Amazonas) onde os índios eram em grande quantidade e por isso se deveria catequisar como forma de compor a base populacional do lugar. Nesse sentido, os indígenas foram pensados para servirem como mão-de-obra e até como contingente populacional.
Aqui se observa um elemento novo, que é pensar agora os aldeamentos como estratégias de ocupação populacional e com isso assegurar o domínio territorial. Não se trata de excluir as duas outras considerações, ou seja, perceber os aldeamentos como resposta as ações fracassadas do Diretório dos Índios, nem agregar novos elementos como aumento das rendas públicas, produção agrícola ou ocupação de terras, mas pensar também com estratégia de domínio sobre áreas até então de florestas, permitindo a constituição de propriedades produtivas.
Estas diferentes possibilidades quanto à implantação dos aldeamentos nos leva a pensar esses espaços com características relacionadas diretamente aos locais em que são implantados. Isso quer dizer que para cada região as colônias indígenas se caracterizam de forma a atender as exigências da região em que vai ser implantada. Isto se evidencia quando observamos que o debate historiográfico, se por um momento aponta para diferentes caracterizações dos aldeamentos, no caso da Amazônia, estes espaços só podem ser pensados quando se observa as exigências da região quanto à mão-de-obra e moralização das populações locais. No caso da moralização adianta-se para entendimento, a necessidade de superar a prática de depender exclusivamente da floresta e do extrativismo os recursos e meios de sobrevivência.
Interpretações de intelectuais e/ou agentes públicos
São muitos os que deram sua opinião sobre a catequese e colonização dos indígenas como forma de trazerem tais indivíduos para os benefícios da civilização. Para Kaori Kodama (2009) tratavam-se de intelectuais e agentes públicos que procuraram construir uma imagem do índio que o vinculava a própria “história nacional” e a idealizar esses povos como parte da futura nação. A criação do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) nessa perspectiva representava os campos de interesses da época, bem como apresentava os principais debates políticos em torno dos povos indígenas, publicando na revista memorias e relatos que diziam respeito a esse assunto, na busca de se criar um espirito de unidade nacional.
Nesse sentido, o mesmo autor destaca uma mudança na abordagem desse assunto. Se antes o indígena era visto e valorizado apenas por seu profundo conhecimento da natureza, depois ele ganha um destaque onde os intelectuais começam a valorizar a sua presença como parte da nação, demostrando uma mudança de pensamento. Um dos objetivos da criação do IHGB foi a de pensar a construção da nação brasileira como forma de se criar um espirito nacional e uma História do Brasil que unificasse as províncias, tornando o Brasil um estado centralizado e civilizado. Nessa perspectiva o Instituto ao longo de 1840 até fins de 1860 em suas publicações trimestrais da revista do Instituto lançavam em todo o Império as principais discursões em torno desse assunto. Isto permite observar tanto as opiniões dos representantes da revista, quanto dos políticos da época. Nesse caso, as opiniões sobre a colonização indígena nas falas de representantes da revista e representantes do governo nos mostra não apenas o consenso entre eles, mais também as divergências de opiniões compartilhadas pelos mesmos.
Constantemente eram publicados nas revistas relatórios feitos pelos presidentes de províncias sobre os aldeamentos, seus progressos e as dificuldades enfrentadas pelos presidentes na implantação de novos espaços. Além disso, os próprios membros do instituto enviavam comissões para acompanhar mais de perto as atividades desenvolvidas nas aldeias e os resultados da avaliação feita pelos membros da comissão. No que diz respeito aos discursos dos representantes de governo nas assembleias e dos relatórios anuais dos presidentes de províncias, podemos verificar as preocupações desses políticos com relação à situação do indígena, pois tanto os intelectuais como os políticos estavam empenhados em despertar na população um espirito nacional e por isso, como os membros do IHGB, procuraram pensar o lugar do indígena na sociedade.
Não é segredo que os membros do IHGB estavam em busca das origens da nacionalidade brasileira ao discorrer sobre a temática indígena. Nesse momento a elite imperial queria despertar nos leitores da revista uma postura de unidade nacional na qual os indivíduos tivessem um sentimento de verdadeiros construtores de uma nação civilizada, moderna e unida. Constantemente eram publicados na revista assuntos referentes às populações indígenas, informações memoriais, relatos contemporâneos de colonos contando a situação pela qual estava vivendo determinada povoação. O que se evidencia é que os artigos publicados no instituto sempre estavam procurando responder e dar opinião a vários questionamentos em torno da catequese e civilização desses grupos. As preocupações estavam em definir qual seria “o melhor sistema de colonizar os índios entranhados [dos] sertões”. E nesse caso se apontavam “se conviria seguir o sistemas dos jesuítas, fundado principalmente na propagação do cristianismo, ou se outro do qual se esperem melhores resultados do que os atuais” (BARBOSA, 1840, p. 3).
Essa indagação feita por Januário da Cunha Barbosa nos revela uma das preocupações em torno da colonização dos índios, ou seja, qual o caminho de colonizar esses povos. Essa questão foi levantada nas primeiras paginas da RIHGB em 1840. Para Cunha Barbosa o assunto é de interesse “à prosperidade do Brasil”. Ele continua seus escritos chegando à conclusão de que “a melhor forma de colonizar esses povos seria através das missões jesuíticas”. Para ele os religiosos eram os únicos verdadeiramente dispostos a adentrarem nas matas em busca desses indivíduos e a viverem em condições precárias nos aldeamentos, acreditava que só através da catequese a nação podia chegar à verdadeira civilização, principalmente nas províncias mais afastadas.
Longe de querer que seus escritos fossem considerados verdadeiros apontamentos de colonização indígena ele apenas queria demostrar através de relatos que a melhor forma para civilizar esses povos seria através dos ensinamentos do cristianismo por meios brandos. No entanto, o que nos chama a atenção, entre outras coisas, é a forma pela qual ele acreditava ser a mais correta para criar um espirito mais amigável e de confiança na relação entre os indígenas e os colonos. Neste caso, Cunha Barbosa (1840, p. 16-17), destaca:
Neste andamento de civilização, também aconselha a prudência que se criem nos adultos indígenas algumas necessidades fáceis de satisfazerem-se pelo seu trabalho. É inegável que em seu mesmo estado errante e brutal, eles apreciem certos objetos, que desejariam possuir em mais abundancia; e o espirito comercial, ou de troca não é tão alheio deles. Esta verdade, constante da historia (...), nos fez crer que com esse mesmo comercio poderemos arrancar das brenhas muitos de seus habitantes; o comercio tem sido em todos os tempos um poderosíssimo da civilização dos povos.
O trabalho aparece como um dos fatores que levará os indígenas a civilização, despertando neles a vontade de adquirir bens, seja através de trocas ou através de serviços prestados, fazendo assim com que aos poucos os indígenas comecem a perceber os benefícios de uma vida civilizada.
A importância dos aldeamentos e da necessidade da valorização do trabalho aparece ainda nos escritos de Rabello da Silva (1840, p. 161), para quem estes espaços “não só os continham com sistemas em que envolviam a religião, como cuidavam do seu aumento, fomentando por todos os modos a agricultura, comércio e a povoação dos campos”. No entanto, há os que faziam algumas ressalvas. Em uma publicação da revista do IHGB no ano de 1856, segundo Domingos Alves Branco Moniz Barreto (1856, p. 37) há de se ter cuidado com os “péssimos missionários que concorreram não só para a desordem espiritual”, mais também “produziram por um largo tempo a um duro cativeiro” os índios aldeados fazendo referencias as missões realizadas pelos jesuitas no periodo colonial.
Ainda sobre as considerações de Muniz Barreto, em seu discurso sobre os benefícios da colonização indígena através da catequese, destacava a importância dos índios para a ocupação de algumas áreas. Dizia que os índios conheciam como ninguém as “brenhas” e com isso podiam “servir de guias para as entradas nos serões em busca de ouro e produtos florestais, bem como a implantação de novas colônias”. Porém, os planos de catequese e civilização indígena não deviam ser feitos nos gabinetes e sim a partir das experiências vividas dia a dia pelos colonos. Nesse caso, a catequese se apresentava como o principal meio de levar os povos indígenas a civilização e aos bons costumes da sociedade.
Contribui para o entendimento desta questão o relato de José Gomes Jardim (1847, p. 550), em que chama a atenção para a necessidade da implantação de aldeias indígenas, que segundo ele não haviam resistido sem a presença dos missionários.
Há, porém, diversas tribos ou grupos de famílias, mais ou menos domesticados e agrícolas, como passo a expor, as quais bem que submissas conservam todavia ao menos em parte seus antigos e agrestes costumes; são governados por chefes hereditários d´entre eles, que se sucedem no comando sem intervenção alguma das autoridades brasileiras.
Neste contexto torna-se emblemático o relato de João Wilkens de Mattos em 1855 (p. 129) sobre a situação de algumas missões criadas a partir de 1840 na região amazônica:
Esta missão, posto que fundada em um rio extensíssimo e um dos mais comerciais, dos afluentes do Amazonas, e habitado por diversas e numerosas tribos, não poderá apresentar os resultados que são de esperar, porque a sua localidade, mais própria para operações commerciais, do que para os encargos da catequese, não oferece aquelas vantagens, que seriam para desejar-se.
Esse relato nos mostra que nem sempre o projeto de civilização feito pelos políticos do Império era seguido rigorosamente pelas províncias que os moldavam de acordo com as necessidades locais. No caso das províncias do Pará e do Amazonas podemos verificar nas palavras de Wilkens de Mattos que o objetivo principal da implantação desse projeto era o de arregimentação de mão-de-obra extremamente necessários para, por exemplo, a produção agrícola comercial.
Durante os anos de 1840 até fins do de 1860 entre os debates dos políticos nas assembleias, tanto provinciais, quanto imperiais, se falava de colônias para se abastecer os braços escravos existente no território. Isso se dava por motivos óbvios, ou seja, as autoridades politicas já conseguiam vislumbrar a escassez de mão-de-obra escrava. Os motivos são destacados no relatório de uma comissão criada para reformular um projeto de lei que organizasse a implantação dessas colônias indígenas no território.
As discursões circulavam em três principais categorias de colónias, as de estrangeiros, as de nacionais e as de indígenas. A comissão criada para discutir esse projeto chama a atenção dos políticos para que, o quanto antes, eles pudessem entrar em um consenso para a criação de uma legislação que viesse a legitimar a criação desses espaços no território. Nesse sentido, um dos motivos para se pensar nos aldeamentos é o fim do trafico de escravos e consequentemente a escassez de mão-de-obra, a comissão deixou claro que o uso cada vez mais progressivo de braços livres para a agricultura tinha que ser à medida que os escravos fossem desaparecendo do cenário produtivo. Nesse sentido, os componentes da comissão não deixaram de discutir e concordar que a criação de aldeamentos de índios tornava-se a cada dia mais urgente.
Para Candido José de Araujo Vianna, ministro dos Negócios do Império em 1841, não havia necessidade de gastar grandes somas com a vinda de estrangeiros para o território se aqui havia um grande números de indígenas que não produziam. Para ele ao aldear esses povos, dois graves problemas seriam solucionados: primeiro o da mão-de-obra e o segundo é que com esses indígenas aldeados os hábitos deles mudariam, eles passariam a adotar o modo de vida das populações consideradas civilizadas, promovendo assim o aumento produtivo.
Esta posição foi compartilhada pelos ministros que sucederam Araújo Vianna, embora declarasse o pouco esforço do governo em promover a colonização indígena. Joaquim Marcellino de Brito dizia que por mais que se observasse a necessidade do aproveitamento do trabalho indígena, muito pouco as províncias tinham feito em busca de criar condições para implantação dos aldeamentos. Para este ministro “bem mesquinhos tem sido até agora os recursos consignados, ao passo que é [o aldeamento] o expediente mais apropriado, e por ventura o único eficaz de povoar uma grande parte de nosso território”.
Lamentava o ministro que o governo não poupava dinheiro e estratégias para atrair estrangeiros ao passo que o que era mais viável para o Império era a catequese e colonização dos indígenas para solucionar o problema populacional e de mão-de-obra. Nesse sentido, ele expõe algumas características que fazem dos indígenas os mais indicados como, por exemplo, o fato deles terem nascidos no território e por isso estarem totalmente adaptados ao clima e de não estarem acostumados com “os cômodos da vida social”, estando mais apropriados para a lavoura.
Para o ministro José da Costa Carvalho, mesmo depois da criação do Regulamento de 24 de Julho de 1845, pouco se progrediu com relação à catequese e civilização indígena. Ao fazer um balanço dos relatórios dos presidentes detectou que em muitas províncias não havia se quer um aldeamento. Para ele as principais dificuldades estavam na carência de missionários e o descaso dos diretores e encarregados das aldeias. Expõem a dificuldade e escassez de encontrarem missionários dispostos a se embrenharem nas matas em busca desses índios errantes, destacando a importância desses missionários na catequese e civilização dos índios. Nos chama a atenção um comentário que ele fez sobre a província do Pará, mais precisamente em Cametá, onde cerca de seiscentos indígenas que queriam ser aldeados, demostrando que em alguns casos nem era necessário que se embrenhassem nas matas em busca desses braços, o que o deixava ainda mais frustrado.
Com relação às opiniões dos presidentes de província e dos demais políticos locais podemos dizer que compartilhavam com os que apontavam que havia uma grade quantidade de indígena na região e de seu não aproveitamento para o trabalho na lavoura. A esse respeito notamos na fala de Souza Franco, presidente do Pará em 1841, que ele pedia maior atenção ao assunto da colonização e catequização indígena. Defendia os aldeamentos como estratégia de dominação necessária para assegurar a “tranquilidade publica”, “segurança pessoal” e “melhoramento econômico do país”. Isso se dava por que para ele, através da catequese, aos poucos esses indígenas iam sendo inseridos nas lavouras e no trabalho compulsório, absorvendo os costumes e os hábitos civilizados.
Outro presidente, João Maria de Moraes, acredita que os aldeamentos devia ser um assunto de interesse de todos os parlamentares, pois entendia que como uma forma de “aquisição de braços, de acréscimo de população, civil e religiosa, mister é que empreguemos todos os meios a esse fim”. Isto se justifica, pois, a província vinha enfrentando problemas pela falta de braços. Nesse caso, convidava seus pares a procurarem meios para se promover as missões, considerada o único caminho para se arregimentar a mão-de-obra necessária para o desenvolvimento da província.
Na fala de Francisco Coelho, presidente do Pará em 1848, observamos a mesma preocupação de José Maria de Moraes, quando registra que “a caridade cristã, e o interesse próprio, tudo aconselha o dever de chamar ao grêmio da comunhão civil e religiosa tantas almas ignorantes e selvagens, e tantos braços vigorosos mais inúteis, perdidos para si, e para nós”. Ele acrescenta que só depois do trabalho dos missionários é que se podiam aproveitar a mão-de-obra indígena e que se enviasse mais recurso do governo destinado a essas missões, os resultados seriam ainda mais proveitosos.
A partir de 1845 com o Regulamento das Missões Catequese e Civilização dos Índios, começam a aparecer reclamações dos presidentes sobre a dificuldade de se implantar o novo Regulamento em cada região, por que a legislação foi criada e pensada de maneira generalizante deixando de lada as especificidades locais. Para Francisco Coelho “o Regulamento de vinte e quatro de Julho de 1845 precisava ser adaptado às condições locais”. Ele argumentava que, por exemplo, uma das dificuldades encontradas estava à falta de diretores dispostos a enfrentar as adversidades locais. Dizia que era necessário que ao manter o contato com os indígenas, se fizesse de maneira a despertar confiança, por que ao contrario estes não ficariam muito tempo aldeados e a melhor forma era através dos cuidados dos religiosos. Repetindo posicionamento de outras autoridades provinciais, se evidencia um creditar nos aldeamentos como espaços que se por um momento pode arregimentar mão-de-obra para o trabalho, principalmente agrícola, por outro garante a moralização dos silvícolas, ou seja, a valorização da terra, do trabalho e da vida sedentária.
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